martes, diciembre 07, 2010

um dia para a professora ana lúcia boechat

Acorda mal-humorada. Pergunta se deveria continuar com a porra toda. Resolve que vai dar pé. Decide que vai a pé. Prefere não fazer dieta. Escreve listas de verduras, legumes e frutas. Na feira compra de tudo. Resolve que não vai levar. Dá o carrinho de compras pro menino que faz o transporte. Supõe que o menino precisa mais do que ela. Pede autorização pra levar só as lichias. Ele conduz por dois real. “É só dois real, tia”. Come as frutinhas no caminho vendo a mini televisão do carro de galeto. Irrita o flanelinha que faz sinal para o carro que nem quer parar.  Inventa que quer brincar de queimada. É sempre muito urgente. Joga conversa fora no ouvido do porteiro.  Sopra a prova pra colega que não estudou nada. Perde a moral com facilidade. Fica triste com a obviedade. Faz charme com a mini-saia. Amarra a fita do senhor do Bonfim no tornozelo. Sopra no ouvido do homem obscenidade. Dorme com a roupa suja. Tira a roupa toda. Odeia o mundo inteiro. Veste outra vez. Duvida de estar cansada. Mergulha na praia poluída. Sai da água, poluída. Recolhe uma concha do mar. Treina afinação na concha. Anda até a avenida. Conclui que não há saída. Decide aprender violão. Imagina tocando pra filha, que ainda não tem, a música do francês. Perde a linha no carnaval. Dorme embriagada. Acorda desacordada. Põe ponto final na angústia. Responde, ao final, que sim.

4 comentarios:

  1. esse texto tem uma pujança própria, em relação aos demais evoca um outro (um outro) tratamento literário para contornos e imagens que já se mostravam, no poema sobre gabriel, por exemplo, onde essa voz narrativa aparece mais velada, mas está lá. essas imagens e adereços são o que acompanha a narrativa nas perguntas feitas quando se escreve (perguntas interiores), e dão o lastro necessário ao escritor, compõem seu universo. como deixar esse universo chegar ao texto é o que faz diferença. não são simplesmente imagens, a feira, o carnaval, os "dois real", o amor à língua, o ouvido do homem ou a necessidade de uma fala.. é quando a narrativa atravessa isso tudo de alguma forma. aliás talvez seja pela forma que se continue escrevendo, embora tanto se leia porque se encontra conteúdo.

    por causa desse post resolvi ler todo o blog e descobri um texto ótimo, de 2006. mesma pegada desse; continue. seja lá onde você achou , traga mais.

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  2. digamos que eu tenho problemas existenciais com a forma...ha ha ha. Sabe aquela coisa do seminario do elefante? Então...
    mas estou atenta, digamos que tenho me aberto à narrativa dada a minha precariedade metafórica e minha feminilidade, né, sou pouco enxuta, mulher, meu jeito de contar precisa de muita palavra. Eu acho. Vou investir na narrativa.
    Obrigada, Elton, obrigada pelos seus apontamentos preciosos, querido.
    Quanto à mim adoro a sua poesia.
    p.s. recebeu meu emeio?

    Gentem, vocês precisam ler as coisas do elton lá no polifonia linkado aqui.

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  3. email?

    ", meu jeito de contar precisa de muita palavra." Não, não mude (necessariamente) isso. Eu quiz dizer (com narrativa) escrever mesmo, usando um eu lírico imerso no desejo de escrever; de forma que no texto possa até vir a se dissimular, e até deva por vezes. Diria, preserve "os problemas existenciais com a forma", mas os use. O tal texto, em que a narrativa fala com Antonio (o de 2006.. não tenho certeza se é Antonio, enfim) é assim. Existe um simulacro, mas o também existe algo ali. É minha ópinião..

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  4. só posso dizer que é gostoso de ler. li várias vezes e tive tantos coloridos do seu texto.
    não pára não pára não pára não...

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