Ele faz menção acerca da quantidade aumentada de psicotrópicos utlizados em sua terra e acrescenta que quase oitenta por cento da população deverá apresentar alguma patologia psiquiátrica nos próximos anos. Esboça um sorriso discreto e mercenário no canto da boca, sem que quase ninguém perceba, no entanto, apesar de um pouco entorpecida pelo preço de minha corrupção pessoal, ainda estou viva, bem viva.
Lá faz frio pra caralho. A quantidade de psicotrópicos deve ser por isso - reflito.
Sei que no frio a atmosfera tem pressão aumentada.
Quanto à minha atmosfera ela espirra, reclama, arranha a garganta, alérgica que é, xinga putaquepariu e conclui, por fim, que quem tiver corpo de sol jamais viverá feliz num clima assim.
A mesa se forma a partir de psis de toda espécie e quem não tem afinidade com o tema - lê-se: quem não pode se ver um pouquinho estragado que seja - fatalmente irá embora.
Ela então levanta a mão da platéia, se apresenta. Observo-lhe os óculos, os sapatos, a postura e o olhar ao mesmo tempo que ela profere seu nome de judia. Antecipo seu próximo crédito, juntamente à torcida do flamengo: deve ser psicanalista.
Judia e psicanalista. Sabemos pela história de nossa civilização que ela terá de dar muitas provas de suas intenções e o faz com leveza.
Inicia sorrindo o embate com o psiquiatra de linha biologizante que insiste sobre os psicanalistas submeterem seus conhecimentos aos métodos da ciência. Que provem suas teorias. Quase faço uma úlcera no estômago trancada na agressão de meu silêncio. Ela, como quem sabe que a ciência pode até ser uma forma de arianismo, não sucumbe.
Ele diz enfatuado: - somos animais!
- Você tem razão - ela continua respeitosa - animais de linguagem...
Ficarão nesse embate eternamente - enfastio, sacando minha caderneta de anotações 2011 da bolsa.
Haverá desrespeito, depois perdão e depois culpa - escrevo.
Alemanha e Viena, honey, entende?
De dentro de minha caderneta libero meu coração de poeta e me livro de uma úlcera terrível.
Nem alemão, nem judeu.
Suporto a cruel aridez do fato-sul na ponta de minha pena. Totalmente sozinha, mas percebo que apresento mais simpatia à ala da judiazinha do Einstein que responde à minha simpatia sorrindo e me perguntando de onde.
Fico tímida de dizer essas coisas: "venho do interior
de mim".
Acordo a tempo de meu torpor escriba, interpreto as leis judias e entendo, não sem algum esforço, que sua pergunta tem a ver com para quem eu vendo minha força de trabalho. Só isso.
Nunca serei um operador puro da técnica analítica - concluo.
Sempre serei pervertida e ocupada do enigma metafórico que me compõe.
A poesia, por sua vez, se ocupará de retornar sempre com pressão diretamente proporcional à força de meu recalque.
puta que pariu! Lindo, com L de Lu.
ResponderEliminaraqui nos trópicos não precisamos de tantos psicotrópicos...
ResponderEliminarMe amarro nisto: "Sempre serei pervertida e ocupada do enigma metafórico que me compõe. A poesia, por sua vez, se ocupará de retornar sempre com pressão diretamente proporcional à força de meu recalque."
Não entendo muito. Mas gosto.
Não sei falar essas coisas de "sempre" sobre mim... mas admiro quem sabe. Ou invejo, sei lá.
é mesmo um excerto irretocável.
ResponderEliminar// com a licença de marshall berman, a situação me lembra que "tudo que é sólido desmancha no ar", e que no séc xx as cidades vieram misturando a angústia moderna com o modernismo conceitual, pegando carona no fordismo, na indústria, na nascente publicidade norte americana, na economia de keines, enfim.. na proposta científica até entupir a burguesia com sonhos de uma alopatia e até freud dizer trago-lhes a peste. genial, escrevia com a limpidez de um nabokov,.. e teve de explicar pra gregos e troianos além da trilogia tebana. muito embora alguns digam que o "enigma metafórico" é seu ponto cego, o francês falante pegou a bola. mas o que não muda é que a medicina, a engenharia,.. vivem de dar respostas, e de preferência com o que pode ser provado com uma certa má,temática. aquela da escola. aliás em algumas segundas eu me pergunto;. poesia, o que é isso..?
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1011732-afastamentos-por-doencas-mentais-disparam-no-pais.shtml
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