miércoles, abril 13, 2016

décalage

Jorge some depois de um convite meu. Espero com ansiedade velada num semblant de serenidade. Os analisandos dizem que o meu jeito calmo é uma incógnita  na vida barulhenta que eles levam, um contraponto, um equívoco. Eu me rio toda por dentro. Sou uma atriz nata mascarada de psicanalista, porque meu peito, Il, é uma batucada profana daquelas que descem o pelourinho em épocas do carnaval. Jorge finalmente aparece fechando o cenho pra mim por conta de uma burro-cracia que eu nem sabia que existia. Desculpo-me. Peço que ele considere que existe trabalho, que estou com as leituras em dia, que não fico lhe ocupando com angústias banais. Tudo isso metaforizado numa só palavra. É que Jorge é masculino e, como a maior parte dos homens, econômico. Parece não ter paciência para o teretete feminino. Eu me viro em mulher burocrática porque me sabendo mulher posso ser várias, muitas, todas, sendo uma só. Pergunto-me: porque se chatear por conta de uma formalidade tão vazia? Mas resolvo, letradona, dizendo "Fique tranquilo, querido, vou providenciar. Att, L.". Rezo pra Guadalupe proteger a América Latina e, por último, peço por mim também. É no mesmo dia que me chega pelo correio o golpe da palavra avara, adjetivando minha performance. Injustíssimo. Não vou explicar do que minha língua é capaz. Não quero, não preciso, não hoje, por favor. A liberdade é para poucos. Estou renunciando à dor, essa palavra sem forma, essa indiferença sem fundo. Meu obstáculo não é Jorge, sou eu mesma, Il, e, talvez as papeladas institucionais que nos separam, aquelas que distanciam ao mesmo tempo que legitimam o sim dito por ambas as partes.

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