sábado, mayo 07, 2016

Na cabeceira

Il, talvez eu ainda me demore um pouco aqui. Não se prenda por mim. É de mim demorar. Eu sento. É uma cadeira desconfortável. Você vem como quem está passando e reconhece em mim a dor que se parece à sua. Te convido para sentar, para sentir de perto, para ver o seu jeito de sentir de perto, para aprender como você se vira com isso. Você vem querendo me instruir, como alguém que vem de um tempo antigo, outras narrativas, vem meio professoral, mas vem também como quem espera algum carinho no cabelo, refresco pra desilusão na qual você se meteu. Vem com a máscara do mestre cansado de ensinar, vem como quem pede um colo, um texto novo, diferente daqueles que você ensina. Eu digo pra você vir mesmo, sentar, puxar a cadeira, aviso que ela é um pouco desconfortável, mas que eu passo um café mais fresco pra compensar. Digo que não sei me virar com isso, que também estou em busca do texto novo, já abatida pelo real da repetição que retorna. Tento tornar tudo menos pétreo.  Você vem enamorado do mar, sem deixar espaço para mais nada no seu olhar e me conta sua desventura. Eu conto que sou do ler, do lar, do bar, da rua, sou do meu tempo. Sou de ontem, de hoje, do que virá. Sou o impossível de solucionar e sou o possível contido dentro da palavra impossível. Eu sou o que não sou também. Sou o cântico dos cânticos, aquele livro que vem depois daquele outro que há muito você se detém. Sou o infinito que não cabe dentro da margem feita pela pele. Sou o trans-bordar, máquina de costura que ganhei de mamãe. Sou o transbor-mar, corajosa, porque sou avisada da melancolia do sem amparo. Você me mostra, calmo, que o mar morre na praia, que a agonia tem fim e até recolhe uma concha pra eu nunca me esquecer disso. Presente de aniversário tão precioso como esse que herdei de mamãe. Ai, Il, os métodos são tão imbecis nessas horas. Os que existem e os que criamos insistentemente. Meu olho vira mar, terroso, ressacado, te devolvendo as oferendas que Iemanjá não soube acolher. Nasceram de você isso que era tão bonito e que viraram rejeitos pelo desdém vaidoso de sua senhora. Explico que gosto de me ocupar dos restos que os outros me contam. Que fiz disso o meu modo de sobrevivência. Você não faz essa metáfora porque está muito ocupado com as coisas do mar. Na cabeceira está Cervantes, a concha que eu não estarei viva para ver descalcificar. O tempo também está, meu caderno de cartas a Il, meu celular.

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