"De luas: desatino e aguaceiro
todas as noites que não foram tuas" H.H.
Zão,
Quis jogar mil pedras no tio Zé. Loucura deixar a fazenda nessa idade e vir morar aqui. Tenho muita saudade de você. Escrevo por todos os motivos do mundo, mas também por nenhum. Escrevo por nada, nome de ninguém. Saudade do tio Zé, de você, Zão, da fazenda. Tudo muda numa velocidade incrivelmente potente e devastadora. Mas sempre fica um resto, Zão, e é daí a minha vontade de te escrever. Manhã de domingo, sete da manhã. Enquanto você dorme, eu vou pensando no meu êxodo tão necessário e tão cruel. Querer ficar é assumir uma simplicidade de vida que não concordo. Zão, preciso de você para dizer dos restos, dos meus restos, porque apesar da diferença no seu caminho você me escuta, querido, e é de uma pontualidade que chego a ter medo de minha saída. Varanda com cheiro de verde, olho de bola-de-gude azul, chão sujo de terra, bolo de fubá, casa, casa, casa. Zão, você é a minha mãe, a minha calma e o meu terror se você é a olhadinha para trás. Eu, Orfeu no labirinto do Minotauro. Certeza ninguém tem, Zão, de nada. Apedrejo o tio Zé quando ele pode fazer com alegria o caminho de um desejo, enquanto tudo em mim é terra devastada, deserto, raiva. Ensinaram-me a alegria e tudo o que eu pude aprender foi a tristeza. Loucura de um não-querer-saber. A minha verdade se parece a de José. Mas quando ele vira consanguíneo eu preciso negar até o maior dos fios de cabelo, de meus cabelos. Zão, ensina para mim a serenidade que não me fora transmitida, ensina calma ao meu coração inconformado, ensina subserviência à minha revolta
Zão, fala o Nome do amor para mim
Luciana.
1 comentario:
É que a vontade de fugir é a mesma vontade de voltar. E não há o que possa ser encontrado: fugindo ou ficando, algo nos aperta de vontade. Vontade de que?
Tb tenho loucuras, raivas, e tenho amores.
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