Antes do vô morrer, digo, antes do vô esclerosar ele pegou "as bolinha de gude dos minino", colocou numa caixa de madeira velha e pregou. Vô chiquim, na verdade, endoidou depois que a vó Aldinha morreu. Dizem que endoidou de amor, a gente dizia "esclerosou" pra dar dignidade pro vô, porque endoidar naquela época era coisa de gente ruim.
Eu achava o vô chiquim lindo de morrer com aquele monte de sardinha no ombro, no rosto, no peito. Tinha um olhão azul da cor do céu e falava devagar, mas depois da vó Alda nada disso mais tinha graça.
A vó Aldinha escrevia poesia e lia na praça. Dizem que ela era boa "aconselhadora" e que ela dizia que na vida "tinha que ter psicologia". As pessoas não entendiam o que vó Aldinha, que não tinha estudo e não sabia explicar muito bem, queria dizer, mas que tinha que ter psicologia isso lá tinha...
Passou a geração do meu pai chico
e o meu irmão Chiquim, que não é doido nem nada [só pra contrariar aquela história de maluquice na terceira geração] encontrou na casa do vô a caixa de madeira e, sem muito custo, papai deixou ele levar a caixa do sul para o norte [onde a gente morava]. Quando Chiquim despregou a caixa foi uma felicidade só, era muita bolinha.
Eu fiquei com raiva da minha tia celeste [que tinha muita psicologia] porque ela roubou as poesias da vó pra ela. E eu fiquei sem ter o que despregar, sem nada, enquanto meu irmão tinha um tesouro de bolinha.
Meu irmão Chiquim falou que eu não podia ficar triste, que ele me dava umas bolinhas e que eu podia até um dia escrever melhor que a vó Aldinha e ler na praça com muita psicologia
Vó Aldinha, venha em meu socorro, porque com medo eu não leio em praça pública, não escrevo poesia e a psicologia vai pra cucuia
Vó Aldinha, dai-me coragem, que sendo mulher eu não sei muito bem como usar essas bolinhas que ganhei de meu irmão.
Amém.
2 comentarios:
Lindo!
Luciana, tá bonito de vê. A história das "bolebas", como diria o outro vô, nunca tiveram tamanha genuidade. Congratulações!
Esse é um bom ângulo que a privelegia como ela deve ser lembrada.
A Vó Aldinha não precisa vir em seu socorro, ela já está aí há muito.
beijos.
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