lunes, noviembre 22, 2010

lembrança de Gabriel

"vem, senta aqui..."


No momento em que eu escrevo essas linhas,
Gabriel recebe um novo grupo de turistas.
Todos eles muito desbotados do trabalho na cidade,
todos eles muito inibidos no contato do que lhes é mais próprio,
todos eles superiores - julgam-se assim - ao Gabriel
que, por sua vez, analisa e silencia por achar mais adequado
manter-se no trabalho

ele guia
gosta do que faz

Quase choro de medo do que me é externo.
Gabriel me acolhe de um jeito muito próprio:
oferece um repelente (de insetos ?).
Diz que eu posso acompanhá-lo no barco
que se não quiser, não preciso entrar na água.
Informa que aquele passeio não precisa, necessariamente,
ser realizado do jeito que fora convencionado pela maioria

e então me conta que entende o medo que sinto da selva
conta que ele também tem um medo
ele, que nunca havia visto o mar, já tão tratado por mim,
conta que teve medo de entrar e nunca mais voltar
chegou bem na beira
feito eu dentro do barco
sem entrar

já pensou em construir um barco
que permite ver sem se molhar
já pensou muito nas pessoas
que como eu precisam dessa ajuda

digo à ele consciente e feliz:
"- que nada, Gabriel, quem não se molha, perde alguma coisa"
ele completa:
"- e ganha outra..."

Gabriel me olha,
me mede,
não se compadece, mas me protege
da posição sintomática "estranha"
ele me guia numa conversa
de pântano, de sucuri, de gavião
ele me ensina paciência
de olhar bem, com calma
ele sabe acalentar meu coração
botando palavra no medo

enquanto ele fala
imagino a casa de Gabriel,
a mulher de Gabriel,
o jeito de Gabriel quando não trabalha.
Meço ele também
- parece não se importar -

e me guia lento
no meu aquário
mais natural
sem a máscara da urbanóide valente
que não sabe o que é aquilo
mas finge blasé que sabe.
Não, isso não.
Gabriel gosta do que é natural
Gabriel não impede minha natureza,
do contrário, me autoriza nela
me deixa ser feliz
com a habilidade de poucos,
raros, eu diria

mais do que da natureza selvagem
[não sei dizer ainda o que é isso]
sinto saudade de Gabriel
amo o que ele ama
estamos no mesmo barco

2 comentarios:

Elton Pinheiro dijo...

Belo, poema.

(eu ia escolher uns versos mais marcantes, mas são vários, e pelo menos uma estrofe inteira dessas)

A leitura de de manhã foi rápida,.. mas agora de tarde, lendo com café, senti uma dor urbana..

Árida dijo...

gabriel é o nome de um anjo...