sábado, febrero 05, 2011

vermelho

É uma parede terra,
puxada pro vermelho,
que me lembra você

Uma luminária japonesa
acesa na luz amarela
refletindo rubra
o ritmo do músculo potente

Eu tenho 20, se você quiser,
e pinto o pé de vermelho
no empenho de esconder a fragilidade
adolescente
que revela a mulher que posso ser

não tenho pressa de crescer:
começo lenta
atravesso o seu olhar, tímida
eu tenho pressa é de você

Nos muros-tijolos da universidade
te vejo alheio às pichações
forjadas numa década que não vivemos
e que, no entanto, nos reverbera:
"De quem é a universidade?
Quem cobra?"

Eu pesquiso, igualmente, lenta
a idéia de nós dois
- depois a gente pensa -

Te digo de minha ascendência espanhola
você não se importa
e me devolve a máfia italiana
do meu gesto afobado
Insisto com castanholas

Nesse ponto você me conta de Marx
e me conta de Hegel
e me conta a porra toda
Eu ruborizo da ignorância
que é não te acompanhar

O amor é assim:
finge correspondências
pra ver onde vai dar,
mas síntese não há

Aqui torno-me mulher biológica
disparo o relógio maternal
(infernal, você diria)
suspendendo o fluxo sanguíneo
- você não gosta assim
quer mais de mim

Desculpo-me seguindo de rosa bebê
volto de grená
vermelho grená não é
- Me ajude a voltar

É no jornal que tenho notícias
daquele partido que se impôs no tempo:
o amor é calmo,
pode demorar

E se demora, invento esperas
igualmente calmas,
eventualmente enérgicas
- tem o mesmo colorido a ira -
se você não está
abandono e amor
se fazendo presentes

Eu sei, é tempo de viver
não me deixa morrer de amor,
o amor

Sou cicatriz de um tempo púrpura
e vejo terra vermelha
na nuca, pés, mãos.

Sou sua irmã
deslizando ao seu lado
- barranco de alegria -
pedindo a sua mão
trançando companhia
e esperança de talvez, um dia,
que já foi,
retornar

Agora sou toda idéia de nós dois
corada de embriaguez
entregue em sua casa
ao fascínio de uma parede terra
puxada pro vermelho
que me leva
lá onde não posso ir.

4 comentarios:

Árida dijo...

Lu, o melhor que já li seu. E sempre amo todos. Este foi muito delicado, precioso. Obrigada!

Elton Pinheiro dijo...

“Sou sua irmã
deslizando ao seu lado
- barranco de alegria -
pedindo a sua mão
trançando companhia
e esperança de talvez, um dia,
que já foi,
retornar”

“Sou cicatriz de um tempo púrpura
e vejo terra vermelha
na nuca, pés, mãos.”

“que me leva
lá onde não posso ir.”

Teu poema começa com pujança e vai ficando doce. Li pedacos, partes dele em dias diferentes. A delicadeza vai crescendo até o final, onde não se sabe memória ou imaginação. Mario Quintana disse que "a imaginação é a memória que enlouqueceu", uma fala elogiosa pra dizer que 'uma certa' memória está livre de nós mesmos. No teu poema, o que é incerto (espanha ou itália) foi certeiro e definitivo.

L. dijo...

Fiquei dias escrevendo esse...
Labutar faz toda diferença,
texto agradece.
Agora to aqui às voltas com outra cor. Pensando que pintar deve ser tão bom. Misturar cores primárias, básicas. Mas antes preciso dizê-las em separado.
Deixar ser...como será?

Elton Pinheiro dijo...

é sim, bom. misturar cores "primárias, básicas" é essencial. conhece-las em si é mais difícil; escrever é difícil, as palavras são.

voltei p ler o poema; não tenho mais o que dizer dele,.. ele me lembra alguma coisa atemporal, ou que ainda nao tinha pensado...