Enquanto leio o texto dela, deixo de escrever o meu
olhar que vagueia por essas linhas torpes, intensas, sufocantes.
Estiro-me toda no chão, já quase sem roupa
enrolo para entrar no banho
- é bom estar só -
Vasculho a caixa proibida com curiosidade de filha na gaveta de lingerie da mãe
encontro uns versos de dois mil e dois, e três, talvez
tento perceber por entre linhas se fui amorosa comigo no futuro,
se deixei algum rastro para os tempos de agora, algum enigma, algum consolo
mas só vejo o desamparo que lancei para os dias de hoje,
uma perseguição enlouquecida, uma sede de saber sobre o fim das coisas,
sobre a entrada do não, que encerrará o infinito dessas minhas palavras
amém
Eu uso o sim como uma faca afiada
e rasgo a barriga dela sem anestesia
faço nascer, na dor, o pequenino não,
gestado na placenta sufocante
Desejo rasgar o plano do mundo com essa faca afiada
Decido fazer colagem dessas letras que você me deu pelo correio,
escritas de próprio punho, quando você ainda era meu
amor
sinto ter tocado fogo em algumas dessas relíquias
para a civilização vigente e me pergunto
quantas vezes me embriaguei de raiva?
Agora minha faca afiada faz corte nessas suas palavras
de amor
não quero saber, vou rearranjando suas frases ao meu bel-prazer
e onde estava escrito:
"Minha mãe entra no quarto e pergunta: - qué ovo? Lá em casa NÃO há muito essa noção de privacidade"
Vira:
"Minha mãe NÃO entra no quarto e pergunta: - qué ovo? Lá em casa há muito essa noção de privacidade"
Nocaute nessa sua mãe entrujona, coração, agora é só a gente. Bem melhor assim.
Mas no fundo sei, apesar dessa estúpida brincadeira e ainda estirada no chão, que um amor que se perdeu
está perdido
numa caixa de cartas que selecionei para durarem no tempo, em versos nas folhas de agendas velhas, nas fotos e flores secas.
Concluo, que com o tempo, esse papo de business, não cola. O tempo não perdoará nós dois.
E, agora de pé, diante do espelho, meu olhar vagueia por essas primeiras linhas de expressão em meu rosto, esses cabelos brancos e a mesma nostalgia pobre dos oito, dos dez, dos quinze, dos vinte, dos trinta, de sempre que transformo em rugas num corpo já tão batido de tanto amar em vão
1 comentario:
Como se tira essas marcações horrorosas? Não fazem parte do texto. Não fui eu quem as fiz. Obrigada.
Publicar un comentario