jueves, abril 10, 2014

carta de amor


Hoje a lua cresceu em minha janela e me chamou atenção o fato de o mesmo céu, dividido por nós, não estar mais tão brilhante de estrelas. Nosso céu anuncia chuva, João, e a chuva é sempre um alento pros meus olhos secos que desaprenderam a chover desde que você partiu.

Achei torpe e vil, anunciar a partida em auto-falante para quem quisesse ouvir. E também achei bastante covarde, como quem aproveita o velório de um vizinho qualquer para chorar a perda de um grande amor. Mas não escrevo só para te dizer isso, é verdade.

Tenho observado, João, que as despedidas ainda me ocupam mais do que mereceriam. Eu me pergunto se não seriam esses, afinal de contas, os restos inanalisáveis de um melancólico ou. pelo menos, os meus. Quem poderá saber?

Meus olhos nublam e querem chover quando me narram histórias sobre encanto de amor quebrado. Mas não choro mais, porque fiquei de pedra, letradona.

Me ocupo em elaborar aulas de produção e compreensão textual. Os alunos gostam de mim e me respeitam. A recíproca é verdadeira. Amplio, assim, mais uma vez, minha capacidade de amar. Explico a eles que um texto é sempre endereçado a um outro e que esse outro não pode ser qualquer. Digo para pensarem os textos como as cartas de amor. Eles me olham apaixonados porque, apesar da seca nordestina nos olhos da letradona, ainda me fica a mania de transmitir um certo torpor, é como se eu os pedisse para amar, sem endereço.

Caminho devagar pelos corredores universitários. Dou alô aos alunos. Aceito que carreguem minha bolsa e que me tragam água com alegria. Amo e sou amada.

Agora estou andando na calçada. Lado a lado com um cachorro que me olha desconfiado. Não atravesso a rua feito louca, não faço escândalos, que depois me deixariam culpada, que fariam com que eu me sentisse ridícula. Mas isso, apenas se o cachorro estiver na coleira. Não sou tão idiota assim. Rio sozinha do meu sintoma e talvez um dia saiba perdoar o seu, com a redenção dos que são amados ou que, pelo menos, assim se sentem.

Hoje fui acometida de uma canção na rádio. Só por isso te escrevi, percebe? Eis o meu tema adolescente. Mas nem assim, João. Não sei mais chorar e quis te escrever para te contar sobre isso.


2 comentarios:

Árida dijo...

mas esse é o legado de um legítimo grande amor, ensinar-nos a não chorar mais por qualquer coisa.
o amor, de tão grande, tem que ser distribuído por aí, junto com as coisas que sabemos, e que não sabemos.
quero te levar uma maçã do amor, querida professora.

L. dijo...

Ser professora Helena em tempos de showmans...eis a revolução.
Aceito sua maça, querida.
Bjs