domingo, abril 17, 2016

Jogo de adivinha

Sábado a noite, Il. Não vou dormir tão cedo. O sofá que tem meu corpo não merece a saudade que dura o tempo de uma semana, quando o recupero em alegria de criança brincando de adivinhar. 

Adivinha com que roupa estou? Adivinha fazendo o que? Adivinha que horas o sono vai me conceder o poder da dança onírica, onde encontro a parte que mais gosto da vida?

A cidade amanhã será inundada com protestos dos pró-governistas arrogantes que se julgam mais competentes ideologicamente do que os outros. Por que artista no Brasil se julga intelectual, meu Deus? Adivinha se eu vou? 

Preparo minha bicicleta que o trânsito estará impossível. Vou pedalar até reencontrar meu corpo de carne e osso. Sair do palavrório sem fim. Sentir a vida batendo com força. Adivinha contra o que me manifesto? 

O real da morte me ronda. Eu vou pra cima dele letradona. Pergunto debochada: "Já acabou, Jessica?". O ser humano é mesmo horrível, mas eu estou aqui, de ferro. 

Um dia que não leio nada e já me sinto burra. Um dia que cuido da casa, das plantas e descubro que minha mãe voltou a costurar. A máquina eu comprei no mesmo dia que a mãe de Carla Carrion. Eu costurei umas roupas para aquela menina. Você tem notícia dela? Não, mãe. Você está saindo de casa, Luciana? Muito pouco, mãe. Por que você não compra uma máquina de costura pra você também? Não sei, mãe. 

Costuro os pedaços de real que me saem. Os cadernos cada vez maiores. Vou escrever até o fim do mundo, vou escrever até gastar. A vida é boa no sofá cinza. A água enchendo a máquina de lavar me lembra chuva. Aliás podia chover. A turfa hoje fez tanta fumaça. Você viu? Adivinha o que eu estava fazendo na hora? Me adivinha, Il.

1 comentario:

Árida dijo...

eu também tenho um sofá cinza
tão quadrado
que não dá a menor chance
pro jogo da adivinhação

me manifesto
diariamente
contra o sofá que me enquadra