A outra, a mesma II

Vou devolver a máquina de costura. Não levo jeito. Um feriado costurando e já vai desistir? Costuro desde antes de você nascer e estou aprendendo até hoje. Isso é uma herança, Luciana. Isso não se devolve ao seu bel prazer, minha filha. Essas coisas não passam por aí. Você costura um pouco, volta depois e assim vai. Um dia, depois uns meses, depois vai ver já se passaram anos. Você também precisa verificar o ponto de tensão. Tecidos finos pedem tensões diferentes de tecidos grossos. Você está costurando o quê? Não sei o nome. Comprei uns retalhos no armarinho. Deve ser algodão. Se for algodão, ponto de tensão 2. Entendi. Vou dar um tempo, volto depois. Fiquei irritada agora. Mas você vive irritada. Eu sei. Você também. Melhora quando eu dou um tempo e volto depois. É, melhora assim mesmo. Isso também é herança, mãe? Pior que é. Que você vai fazer agora? Vou fazer o lanche do seu pai. E você? Vou fazer um lanche aqui também. É tudo muito parecido não é mãe? É sim, mudam algumas coisas, mas o grosso é parecido. Outro dia liguei pra sua avó e ela me perguntou porque eu te introduzi nessa maldição da costura. Eu disse que você pediu e eu achei que devia te ensinar umas coisas. Ela me reprovou. Não ia adiantar nada, você é turrona. Ia aprender de qualquer jeito. Comigo ou com outra pessoa. Mas o que muda? Pouca coisa, mas acho que você é mais habilidosa do que eu. Vai apurar a raça. Sei...Vai sim, mas não queime a largada. Vai aos poucos. Beleza. Vou ler agora. Tá lendo o que? Paulo Lins e você? Jorge Amado. Paulo Lins eu não conheço. É novo? É sim. Tem umas sacanagens tipo Jorge Amado. Não entendo seu gosto por Jorge Amado. Nem eu entendo esse seu negócio com esse outro Jorge (Luis Borges). Texto enjoado. Não tem fluência. Não entendo nada. Cada um no seu quadrado, né, mãe? É, tem coisa que fica diferente mesmo.