domingo, agosto 28, 2016

terra movediça

Não acredite em tudo que te digo. Desconfie do que eu escrevo. Eu gosto muito de te dizer, por exemplo, que faz tempo que não tomo caldo, que agora eu sou de ferro.

Eu escrevo a maior parte dessas coisas com pijama de bolinha e água de cheiro de flor e você jura que eu fiquei letradona. 

Eu escrevo para falsear o que não vai bem. Eu escrevo para me inventar. E escrevo também para fugir de mim porque - você deve saber - é insuportável ser a gente o tempo todo, por isso existem os jornais com o objetivo de distrair as pessoas delas mesmas e dar a falsa impressão de que elas estão informadas sobre alguma coisa muito importante que acontece lá fora. 

Também existe a literatura, o netflix, existe eu e você para gente fingir espelhos e esquecer do que a gente é, lá na intimidade. 

Se eu pudesse te encontrar, eu contaria da cena patética de sexta-feira lá na exposição do Hilal e a alegria de ter me saído bem dela. Impressionante como a idade traz alguma coisa boa nessa vida. 

Eu durmo bem, se você quer saber. Já dormi mal, mas hoje eu durmo muito bem e sonho muito, sonho com força, arrisco dizer que tenho uma vida onírica paralela. É muita coisa pra realizar e não daria tempo, se não fosse essa outra
realidade. 

Sonho pra não morrer de concretude. Essa noite, por exemplo, sonhei que Taís ia com as amigas ricas dela para África do Sul. Eu ficava de fora, mas ela vinha sempre conversar comigo que "ficar de fora" era uma escolha recorrente minha. Eu dizia claramente para ela que eu preferia assim, que desse modo eu podia ver as coisas com mais precisão. 

Taís é muito melhor no sonho do que na vida real, naturalmente. Sinto pena por ela não ter se casado ainda, mas ela parece feliz desse jeito. Taís é toda viva, não daria certo casada, se é que você me entende. Ainda sobre o sono, Taís dormia bem, mas não sei agora que leva uma vida de executiva no Rio. Muita badalação e trabalho. Vida de mulher solteira bem sucedida profissionalmente. Não sei se alguém dorme bem nesse enquadre. 

Mas como eu ia dizendo, desconfie sempre. Não sei mais se a Taís que eu creio ter conhecido na infância assim assado existiu. Tudo é muito movediço por aqui. Faço muito obstáculo. Coloco armadilha. Mudo a cor do meu cabelo de tempos em tempos. Acaba que só fica quem suporta turbulências. Eu não iria pedir isso a você. Um beijo.

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