viernes, agosto 11, 2006

A CADEIRA

Então ela pensou que era mesmo muito bom a liberdade. Ia desfazendo o medo que sentia de conhecer o lugar de Antônio. Seria uma volta? Uma revolta inundava lentamente o seu pensamento: por onde andava Antônio? Crescer dói no fundo da alma.
Antônio estava na cidade. Dessa vez Heloísa fazia companhia à solidão do homem. Sentaram-se à mesa. Antônio em sua tagarelice não oferecia mais do que o abandono à Heloísa. A moça gostava assim mesmo e ali permanecia com um aperto bom no peito. A comida era de uma leveza que parecia não satisfazê-la.
Sofia era pura memória. Como pode um lugar novo trazer à tona lembranças tão remotas? Tudo naquela cidade atualizava para ela uma época horrível que por mais que tentasse não conseguia esquecer.
Antonio levantou-se da mesa, afastando a cadeira de forma brusca. Despediu-se de Heloísa que se queixava da vontade insistente de algo diferente para comer. A postura de Antonio era de uma frieza continuada, afinal ele sabia que não havia nada o que pudesse fazer por Helô. Ela gentilmente conduziu-o até o embarque.
No caminho ele tinha a sensação de estar deixando algo para trás, algo que não queria esquecer mas que agora se tornara inevitável.
Era noite. Sofia se preparava para a dança que já se fazia em seu corpo. Arrumava-se como se fosse encontrar Antônio a qualquer momento. Pablo avisava de um lugar divertido e com excelente comida. Iriam antes da dança. Sofia concordou apressando a maquiagem. Borrou os olhos dando-lhe a parecença de olheiras como se não dormisse há meses. Olhou-se no espelho. Estava linda Sofia. Em seguida olhou a amiga vestida de renda. Pensou que ela não estava adequada para o frio que estava por vir. A renda, veja você, é o próprio nada tecido: basta uma linha para fazer buracos no nada. Você vai desenhando motivos no nada e a renda vai crescendo vistosa, firme, imponente. Sofia, a hora! Você vai perder a hora!
Chegando ao local Sofia puxou a cadeira, ainda estava quente com o calor que algum corpo provavelmente deixara ali. O calor acolhia a moça. Não era a primeira vez. Pensou que não suportava muito bem o frio. Estaria em tempo? Agradou-se da leveza da comida que a alimentava naquele dia. Foi o tempo de um vinho barato subir-lhe a cabeça para que a dança tivesse o seu início e só terminasse ao amanhecer. Exausta ela procurou um lugar para sentar. E voltando-se para a mesa do jantar avistou intacta como ela havia deixado, fria, mas receptiva a cadeira.

3 comentarios:

Anónimo dijo...
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L. dijo...

To sentindo o apagamento de Antonio. To sentida.
Sofia e sua renda esburacada.
es-bu-ra-ca-da
(é para poucos)
Recomendo a vida.

Anónimo dijo...

A Cadeira minha querida Sofia era sim, o lugar perfeito, para um Banquete Rendado. Estavam todos ali... : Antônio (A razão que abandonava? Ou o útero que deveras cuidava?). Heloísa (aquela que deglutia tudo? Ou quem tmb recusava sair de algum lugar?). Sofia (o desejo encarnado? A moça viril? Ou a moça crescida?). Pablo (A mesa bem-posta? O caminho? O acaso? Ou o atraso?) ... Só sei... que de toda aquela conversa, enfim, no final o tempo PARIU. Sofia RENASCEU?!... Para quem ainda não soube... Talvez a liberdade tenha se criado neste momento - qndo Sofia sentou-se no lugar de Antônio. Um fato histórico que ate Sartre desconheceria... (risos). Moça é onde o fogo queima que somos obrigados a sair do espeto e correr da brasa... O Aquecimento acolhedor de uma “Cadeira”... E o remexer das cadeiras de uma dama... podem, contudo, trazer-nos a brisa.... Mas, devemos confessar que o maldito aquecimento,... aquele lugar de Antônio... tão sedutor... tão acolhedor... Quase dispensava renúncias!! E, como Sofia.. pensemos que são apenas lembranças de outrora... do útero maternal... infernal?!... Agora há um mundo mais distante.... Outras Cadeiras... Talvez de três ou duas pernas.... Ela não mais possui quatro. Não mais engatinha.... Ela CRESCEU... E já sabe andar sozinha.....
Boas e belas caminhadas.
Bjs,
Mari.