domingo, junio 10, 2007

eu x eu

Se ele era louco ou não, isso não importava. O que estava em jogo era o movimento que aquele homem nu no meio na rua a cantar yellow submarine provocava em mim. Uma mistura de medo e de desejo. Eu queria ser aquele homem bonito, jovem, alto e desprovido da culpa de estar na vida sem ter pedido. Ele era forte, um pouco mais velho do que eu. Fazia algum tempo conversava (?) em inglês comigo. Eu ficava vermelha e ele lá da esquina me via e gritava: "Hello, my friend, how are you?". Depois eu entrava na história. Minha mãe pedia que eu tivesse cuidado porque gente daquele tipo não sabia o que fazia, era como se fosse um animal. Ir-ra-ci-o-nal: "é preciso fazer sentido, minha filha". Eu discordo, mãe, "gente daquele tipo" sabe o que quer e vai atrás. Tinha a cabeça de moça nova, um pouco de utopia não me fazia mal. Hoje eu sei dos sofrimentos dos que não podem entrar aqui, dos que têm medo, dos desamparados. Isso tira um pouco a graça de viver. É a própria desgraça do saber. Ou seria a salvação. Se eu me tornei santa ou não, isso não importava. O que me enchia de alegria era fingir obediência e na calada da noite, debaixo da mesa, com a porta trancada transgredir os meus medos. Fazer deles euforia, entusiasmo de viver. Aconteceu de eu lembrar do pedido daquela mulher importante sobre a cor dos meu cabelos, que era preciso mudar, que eu parecia com o cabelo escuro assim a Mortiça Adams. Eu ri muito de saber que eu sofria na época de ser quem eu era. Mas quem eu era também não importa. E de repente a raiva de sempre, um ódio horrível. O de sempre. Pensei que lutar contra o que se é também transgredir de certa maneira. Poder suportar um deslocamento, um cheiro diferente, descobrir de novo uma mancha no corpo. Liberdade não era mais acreditar numa fôrma e viver ela. Liberdade era rir daquela roupa ridícula que agora me cobria o corpo e cantar nua yellow submarine. Na rua também já é demais. Olhei no espelho, eu não tinha mais nove anos, não era magricela, não tinha o cabelo preto e usava óculos de grau. Não achei bom, nem ruim. Eu era e aquilo precisava mudar, naturalmente mudaria.

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