a rebentação

um homem sonhou que a casa era invadida por um mar inteiro. era uma casa só. bem em cima dessa casa vinha a rebentação - na cama da casa uma criança dormida.

[a gente, os meninos, íamos na prainha e brincávamos de deixar a onda pocar bem em cima, sentávamos na rebentação pra tomar caldo e encher as ceroulas de areia, como disse a moça certa vez: era ruim mas era bom também, mexia com tudo o que tinha dentro. Naquela época nós os meninos não tínhamos medo de caldo nem de nada, naquela época nós éramos os rebentos em plena rebentação, salvo quando vovó cortava a brincadeira e acenava com a mão mandando entrar, a gente só tinha medo era de voltar pra casa]

[o bom filho a casa torra - disse exuberante - eu havia aprendido o ditado de um jeito torto]

nesse sonho do homem eu não sei o que sucedeu porque ele havia me dito sobre acordar tentando conter um mar imenso com duas mãos que pediu interpretação que me recusei porque só o sonhador sabe do seu próprio sonho - pensei

mas eu bem robei esse sonho pra mim: se tinha rebento, rebentação, praia e vontade grande de misturar com o mar, vontade de virar um só com o mar, dava pra interpretar da nossa história, a nossa, nós os meninos

Agora eu ligo para vovó chorosa e aceno com saudade. Ela me diz:

-eu entendo plenamente a sua falta. É hora de trabalhar, minha filha, e depois essa saudade significa que vovó taí - e segue falando baixinho, quase sumindo - saudade, Luciana, é presença no coração...

[eta, vó, eeeeeeeeeeeta rebentação]