Zão,
Essa noite eu sonhei que nos encontrávamos num coletivo e você não se importava. Fiquei me perguntando sobre qual era a mensagem do texto do sonho que fui remontando, à medida que vagarosamente me mexia na cama: não era possível ser tão óbvio assim.
E eu lembrei quando a Bárbara contou para a gente do último minuto que teve com o marido, antes dele morrer.
Eu ainda não sei porque deram à humanidade o pesado fardo do desencontro.
Hoje amanheci desencontrada. Não pude atender aos nove chamados da campainha de minha nova casa de mulher casada. Um dia na sua vida, Zão, te ensinaram a ler. Se você sabe ler, entende.
Muito calmamente olhei pelo olho mágico e vi do que se tratava e me emocionei e quis abrir a porta e servir um café e conversar sobre nossos maridos [o meu e o dela] e romper o sórdido pacto de silêncio colocado entre nós. No entanto, você sabe como têm sido as coisas para mim: havia um fio estranhíssimo no desenho de minha sobrancelha que, por sua vez, merecia reparo.
Sobrancelha é moldura de olho e, portanto, nesse momento, fundamental.
O olho mágico é mágico porque tem a pretensão de mostrar antecipamente o que existe externamente, dando ao olhador a possibilidade ou não de assumir uma certa vulnerabilidade e de abrir, finalmente, a porta.
O olho mágico é mágico porque antecipa [ou finge que antecipa].
A gente só vai saber mesmo se abrir a porta e permitir a entrada.
O olho mágico e as portas me dão a liberdade de escolher em relação ao aprisionamento ou não. Mas eu ainda não tenho certeza exatamente se estamos falando de uma escolha, you know, Zão.
Ainda sobre o sonho eu lembro que diante de seu desinteresse eu não me abalava e olhava bem para você e sentia até um pouco de compaixão da pretensão que te cercava. His majesty the baby. Eu apenas te via naquele momento inicial de chegada, quando olhamos ao redor e procuramos algum rosto conhecido. Depois você se apagava.
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