martes, mayo 25, 2010

Do abandono necessário


Trago comigo dias como este que retomo quando por aqui
Pouca água. A vida de sertão mantenho guardada.
Mas tem o mar batendo nas pedras e ostras
Que podem cortar os pés.
Ainda tenho marcas no pé de uma ostra que me feriu.
O mar quebra com força nas ondas como se me dissesse
Ainda bem que você saiu.

Viviane Mosé



Ando a procura de mim. Sonhando jardins - que se antes me alegravam porque cultivados pela mão de minha mãe, agora me apavoram - Quantas flores já cresceram cuidadas pelas mãos de minha mãe? Quantas amoras nas tardes de domingo e fotos e papos e sapos por engolir vão crescer assim?
Preferia fazer. Sempre preferindo fazer tudo o que eu julgar importante para tirar a areia que fica no peito depois de uma tarde na praia, o excesso de sal na boca, no nariz, da água que me entrava.

Brincávamos de sentar onde quebrava a onda
Biquínis e sungas e biquínis e sungas cheios de areia
Da praia de onde eu vim
Não existia medo nenhum de tomar caldo
Era divertido contar o que acontecia debaixo da água
Era mais divertido inventar o que acontecia com a história que realmente acontecia
Debaixo das águas
Quanto mais gigante fosse a onda
Mais instigante
A nossa história

Cresci depois mais tarde na cidade grande
As ondas da cidade se pareciam a avalanches e não eram engraçadas
Como as da praia de onde eu vim
As praias poluídas da sujeira de querer mais do que se pode ter
As praias poluídas tinham estórias de pessoas que se tornavam alienígenas
Depois de adentrá-las
As águas da cidade pareciam esgoto
Pareciam história de mau gosto
Eu que nunca tive medo de caldo, preferi
Brincar mais longe de onde as ondas estouravam

Meu irmão dizia que se atirássemos um punhado de areia
Contra o mar ele voltava mais raivoso
As ondas ficavam enormes
E era mais areia nas sungas e biquínis na competição
Que inventávamos
Era mais história
Uma vez meu irmão teve que parar de contar história
Porque de tanta areia que atirou no mar
Perdeu a sunga
Fui chamar o pai para ajudar e o caminho ficou
Muito longo porque eu não agüentava mais andar
Faltava ar
Eu ria, eu ria carregada
Meu irmão chorava
De raiva
De mim
- Como você pode rir de um homem perder a dignidade assim?
- Por se julgar mais valente do que o mar? Há há há...

Biribiribá
Parei de brincar

Surfe de esgoto eu aprendia na cidade
Entrar na água sem entrar na água suja
Tirar aventura da podridão do mar
Pensar que o mar era sempre o mesmo
Sendo outro
Pensar em amar o mar mesmo quando ele
Me parecia sujo e odioso

Minha vó dizia que o mar era bom
E massageava as costas dela
Em missão de perder
Eu era a pior - de todos
Chorava quando o mar me abandonava
-“ Mar sovina, nem uma ondinha...” (sic)
Eu ficava adoecida de falta de mar
Derramada na areia meu olho marejava
- eu queria inventar o mar em mim -
Minha mãe cuidava das flores
Meu pai trabalhava na fronteira da cidade com o mar
Eu descansava à milanesa na areia da praia
Olhando pro sol que já queria sair de cansado
de me ver brincar no mar
o tempo inteiro
eu sabia que precisava de me nutrir de mar
porque meu pai ficou na fronteira
que um dia eu iria ultrapassar
eu quis muito naquele dia ir à cidade grande
eu quis muito naquele dia ser uma super gente grande

Foi na cidade que descobri
Que não dava pra surfar sem se molhar
Na água imunda
Um oceanógrafo me disse que se a praia é poluída
Só de sentar na areia seca
Eu podia pegar uma micose na bunda

[Era melhor quando não tinha oceanógrafo]
Na minha praia, que não tinha oceanógrafo,
Eu podia até inventar
que se a água estivesse poluída
De oferenda à Iemanjá
(até porque logo ia passar)
Eu podia ficar sentada na areia namorando o mar
Sem medo de bicheiras
Esse luxo de oceanógrafo lá não tinha
A gente inventava história na minha prainha
Minha mãe gostava de terra
Meu pai de fronteira
Eu gostava do mar
E um dia, quando eu me casar, quero uma onda bem alta
- pensava –
Quero surfar na crista da onda

Na cidade eu descobri um moço
Que queria estudar vegetação de restinga
Nesse moço eu podia entender a fronteira do meu pai, a terra da minha mãe
Eu podia até me ver nesse moço da vegetação de restinga
Eu fiquei especialista em restinga na cidade
Eu precisei ir até à cidade para estudar a minha praia
Para ver as coisas de longe
Para me tornar uma super gente grande

E fingindo restingas, namorar o mar,
Circular o mar que não tem fim
E entender que quando ele me abandona
É porque, na verdade, morre
de amor por mim

2 comentarios:

Árida dijo...

que coisa linda. mesmo.

L. dijo...

que fôlego você teve para ler!

p.s. não consigo ler o seu...