Minha visão afobada não deixa que se forme na hora da retina a imagem do que vejo.
Minha visão afobada quer formar o mundo antes dele se apresentar para mim.
“Calma, visão” – são minhas lentes de vidro explicando que para formar o lá de fora precisa de um tempo maior pra retina aqui dentro, precisa prolongar um momento pra ver pra valer.
Antecipar nem sempre é bom: deixa a imagem de longe embaçada, ainda que de perto se enxergue muito bem.
Tem visão que fica atrasada, com vista cansada, vai ver o mundo depois do tempo da retina. Embaça também, mas pra ver de perto.
Córnea é a pelinha que protege o olho.
Uma córnea normal é redonda e lisa.
Tem gente que fica com a córnea parecendo uma estrada de terra depois que chove e passa o caminhão: com altos e baixos. O mundo aí também embaça. Com o tempo algumas pessoas se curam desse problema da chuva na estrada, deixam o caminho liso de novo. Outros não.
Meu pai queria que eu fosse oftalmologista,
que eu estudasse para ver como viam os outros.
que eu estudasse para ver como viam os outros.
Acabou que eu estudei para ver como viam os outros,
Mas de outro ponto de vista.
Concluí que ninguém vê muito direito,
que mesmo sem precisar de lentes de vidro, nunca a imagem do mundo que se vê se forma exatamente no tempo da retina.
Já vi gente dizer que vê bem demais e que não precisa de óculos.
Já vi gente de óculos dizer que não enxerga direito nem de óculos.
Já vi gente perdendo os óculos na própria cara.
Já vi gente colocando lentes de vidro colorida nos olhos só pra ficar mais bonito.
Já vi gente ficando cego de tanto enxergar.
Já vi gente podendo enxergar de tão cego que ficou.
Descobri que existem muitos jeitos de ver.
Aceitei que problema de visão afobada não tem cura. Se bem que uma vez um médico falou para mim que, raspando meu olho bem com uma lixa de médicos, ele acalmava minha vista afobada.
Nesse dia eu lembrei da estrada, da chuva e do caminhão. Tive medo de botar outra pessoa pra alisar a minha estrada. Parei de perder meus óculos. De vez em quando dou férias pra minha vista afobada e tiro voluntariamente as lentes. O médico disse que, paradoxalmente, se eu seguir caminhando assim vou deixar minha vista cansada.
Acho que o jeito que escolhi de ver é o mais bonito para mim porque me obriga, se eu estiver no meu estado natural, a chegar bem perto de tudo, bem perto do mundo para ver sem embaçar, porque também eu posso até forçar para ver de longe, mas aí meu olho molha.
O meu olho não agüenta a secura da distância. Não foi feito para agüentar.
Acho que agora começo a gostar de ver assim.
1 comentario:
genial!
Também ando escrevendo para aprender a gostar do jeito que eu vejo. Só que daquele outro jeito de ver, claro.
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