sábado, septiembre 25, 2010

na subida

Pensava no que pensava aquele que havia se dedicado à construção da catedral e no que vivia aquele que construía em cada momento da fabricação de cada trecho da construção. Trecho lembrava texto e lembrava caminho, lembrava caminho de dentro, lembrava história, lembrava a possibilidade-menino na menina que havia sido, nos desvios que seu desejo havia feito do desejo que a constituía. Sentia-se plena de energia para a recusa necessária que fazia todos os dias de sua vida, na batalha interna que desenvolvia todos os dias de sua vida. Todos os dias de sua vida eram feitos para que ela não olhasse para trás, apesar da tentação que era olhar para trás. Subir, subir, brilhar, até chegar ao topo para escrever sua verdade conquistada. As palavras escorrerem como líquidos e lubrificarem as passagens ressentidas era a leitura mais bonita que já havia feito e não era possível guardar aquilo tudo só para ela. Viu arabescos dourados, castelos, reis e rainhas, reinos inteiros, carolinas, linhas, os retalhos de pano que sua tia avó usava para fazer roupas para as suas bonecas que lhe davam idéia de roupas para ela. Roupas que a vestiriam, roupas de mulher. Qual a roupa que irei usar para me apresentar quando ele chegar? E ele há de chegar. Essa era a pergunta fundamental que a guiava. Era preciso a ela ter uma pergunta fundamental para sobreviver, para viver. Ele estava a caminho, já era a ela possível notar. Era uma mulher brava – corrigiu o texto - era uma brava mulher. Subia, subia, num fôlego que parecia não ter mais fim. Cair era uma possibilidade, mas nunca acontecia. Cair não era um fato para ela, era possibilidade. Subia, subia.  Percebia o tanto que gostava da escrita íntima: isso ajudava a ela forjar um eu, um caminho, uma via na subida que fazia. Ela que tinha dificuldades de saber quem era e o que queria precisava mais do que tudo de uma escrita íntima. A lata de spray era de cor vermelha. Importava a ela a cor da tinta sim. Importava a ela escolher uma cor para escrever as palavras da mulher que admirava alcançadas com tanto custo. Era cara a escolha que fazia. Refazia o caminho do homem-construtor e haveria de colocar ali o traço da mulher construtora. Entre mãe e mulher ficava com a mãe sempre, mas era preciso se desvencilhar um pouco e descobrir alguma coisa sobre a mulher que queria ser. Entre mãe e filha, sacava a mulher. Olhar para trás era se identificar com a melancolia materna e foi porque olhou para trás que alucinou Bento Ferreira. Desceu, mas não sem antes escrever o texto da mulher que admirava. Já sabia escrever coisas de mulher. Desceu porque quis. Descer, descer, des-ser, não ser, não sei, só sei que não caíra mais uma vez. E depois toda aquela história que você já conhece: olho marejado, acordar chorando, faltar ao trabalho e sonhar. Sonhar também era trabalhar. O sonho era matéria-prima de seu texto íntimo. Entendeu que o sonho não era outra coisa, senão a realidade que privilegiava durante o dia. Como tinha dificuldades de saber quem era, o que queria, para onde iria, decidiu sonhar para ver se achava algum gancho. Era preciso continuar sua busca em direção à...

1 comentario:

Elton Pinheiro dijo...

Agora estou relendo esse texto, digamos que de trás para frente. A idéia de sonho ser subjetiva é alentadora (ao que sonha). Já uma idéia literária, escrita, onde o sonho pode ser real mesmo (ter acontecido um sonho na história, mesmo) ou subjetivo, inventado é não contar ao leitor (o melhor, geralmente é não contar para ele) se ele mesmo sonha ou acordou. Os que dormem querem modificar a realidade, os que acordaram, os sonhos.