martes, septiembre 21, 2010

uma possível namorada para BF

Rotulavam-na rebelde, impetuosa e teimosa. No fundo era isso tudo, mas o que a absolvia de toda a antipatia alheia era um jeito atrapalhado de chegar derrubando cadeiras e copos, sentar, acender o cigarro, sorrir e dizer que a vida era muito engraçada porque não podia fazer o maior sentido. Restava rir, porque na troca do menor para o maior deixava escapar sua megalomania, vontade multitudo de brilhar. Ria engraçada. Era uma doida mansa. Um dia decidiu ir morar no centro da cidade, subiu no alto da catedral metropolitana e pichou o seguinte: “as palavras escorrem como líquidos/lubrificando passagens ressentidas”. Não eram palavras dela, vinham de um tempo muito distante, posterior, mas eram como se fosse e ela queria gritar bem alto essa verdade conquistada. No entanto, olhando para baixo, viu que seu público era meia dúzia de moradores de rua que não tinham sequer um único dente na boca e riam banguela não dela, mas para ela.

Acalmou a velocidade de tudo o que corria dentro, no centro de si. Não sabia morar no centro, não podia morar no centro. Desceu e não foi julgada. Não podia ser julgada. Sua busca era muito legítima: arrumava um jeito de estar viva.

Comprou pão, mortadela e refrigerante. Sentou no banco e deu a todos de comer e beber. A frase tão bradada parecia perder a importância. Tomou seu copo de uma talagada só e era muito gaseificada a bebida. Logo seu olho marejou.

Acordou chorando e decidiu que naquele dia teria uma diarréia terrível. Podia ser o refri do sonho. Ou o pão. Ou a "mortandela" como diziam os moradores de rua. Não importava, fato era que não iria ao trabalho: seu editor haveria de entender. Faria uma pausa justa, necessária. Dedicar-se- ia, vinte e quatro horas, à tarefa de sonhar o centro e os novos amigos que fizera por lá.

4 comentarios:

Elton Pinheiro dijo...

a água gaseificada ser o berço das lágrimas ficou bonito.

subir na catedral é bem onírico, (é um sonho mais complexo que essa imagem, no entanto) o despertamento me pareceria mesmo um corte lacaniano se também não me parecesse sonho ter um editor, de algum modo.

L. dijo...

Hei de explorar o subir na catedral ainda. Deve ser mais bonito do que contei, de fato.

ter um editor, ai, ai, ter um editor...conheço essa história: besteira que paralisa.

Anónimo dijo...

lindo! linda!

Árida dijo...

maravilhoso Lu, adoro te ler!