"Criança aprendi na feira:
ave e mulher cantam melhor na cegueira"
Hilda Hilst
My Dear Sophie,
Estive com abuelita e estar com abuelita é lembrar você. Mas antes não me atreveria a escrever novamente, pois tudo estava tão recente. Ela provoca: “corazón, hace muy tiempo que no hablas de la niña sin un rumbo en los zapatos”. Ela quase sempre me pergunta de você e eu fico sem jeito de dizer que me despedi. Só agora percebo que me despedi por puro pudor de não saber retificar meus atropelos. I´m so sorry, Sofia. Quando eu te pedia um passo, um caminho, uma via, hoje sei que era muito, sim, o que eu te pedia. Ficava irritada com o atraso de suas cartas que nunca me davam resposta e só me faziam mais dúvidas. Não sei explicar isso à abuelita porque vovó não tem esses luxos no pensamento. Para ela a coisa é simples assim: se doer, ela grita e depois perdoa e depois sorri. Aprendi na marra que o caminho é só meu mesmo, que não existe resposta. Foi assim: estava em casa sozinha, haviam bolos de roupas para passar e a cada blusinha, a cada vestido, a cada calcinha [sim, porque, tome nota querida, minha médica falou que o bom para a mulher é calcinha de algodão passada à ferro quente, dane-se a sedução da renda (?)(!!!)] ia pensando na ocasião em que ganhei cada peça, na ocasião em que adquiri cada peça, cada peça tinha uma história, cada peça tinha um começo na costura em que foi composta, pensei até na costureira da indústria que a fez, na história da costureira que também é mulher...fui longe, Sofia, para descobrir, enfim, que ir longe exige paciência com os limites que se impõem. E cada um tem o seu. Ir tão longe assim exige solidão e coragem. É mais fácil, no entanto, acreditar na resposta pronta. Por isso as minhas enxurradas de cartas: quanto menos você me respondia, mais eu escrevia e ainda que não respondesse a pergunta principal, tantas outras respostas e perguntas iam se impondo.
Bolos de roupas para passar é algo super interativo, além do mais são ótimos exercícios filosóficos. Bolos de roupas para vestir. A pergunta principal - Que roupa eu vou vestir, quando ele chegar? - tombé par terre. Ele chegou e eu estava de preto e de óculos e suada da ralação do dia-a-dia. A calcinha era de algodão mesmo, não foi preciso as tais rendas (Ufa!). Acho que eu rendo de um jeito diferente. Hoje consigo achar até que eu tenho algum encanto que não esse da roupa que se veste. Abuelita insiste comigo na história do batom vermelho, na sapatilha, na dança. O que uma neta zelosa e extremosa não faz para agradar a avó amada? Vai que vira moda e ele gosta...vou ter o maior trabalhão. Enfim, a vida seguiu como tinha que ser. Eu sobrevivi e vim aqui te pedir que se foi difícil para você perdoar a mim, não faça o mesmo com abuelita que não tem nada a ver com essa história. Darling, ela quer saber tanto de você. Mande sinal de fumaça, telefona, escreva. Diz se tá viva.
Love,
Luciana.
No hay comentarios:
Publicar un comentario