A poesia é uma mentira, mora?
Ana C.
Hoje quase uma moça se fez atropelar por mim. Sem me perguntar dos motivos de ela ter me escolhido, segui. Preenchi todas as fichas que nunca dão tempo de serem completadas. Cheguei com meia hora de antecedência nos lugares. Não dei margem ao imprevisível. Não fiz imagem alguma. Segui num fluxo contínuo do tem que ser assim. Esperei pelos atrasos alheios com paciência. Li o jornal antes de sair para o trabalho. Li o texto todo. Fui cordial com os amigos. Simpática aos inimigos. Irredutível com a minha poesia interna. Caminhei sozinha, mas não houve tempo de olhar para trás, como é de costume. Não senti sono. Não reclamei. Não disse que te amava, apenas te amei. Posei para foto com elegância. Não houve gafe, nem redundâncias. Houve tempo para escovar os cabelos e reunião de condomínio. Houve tempo o bastante para esperar sem angústia. Houve medo de não ser eu e me deixar invadir pelo externo mundo que componho cautelosa, agora. Acolhi a rotina sem tédio. Entendi que o tempo passa e as novidades que eventualmente possam surgir dependem muito mais de minha capacidade criativa, digo, de criação do que de qualquer outra coisa. Preenchi todas as burocracias, sem nomeá-las “burrocracias”. Dei conversa ao porteiro.
Mas agora, na hora de dormir, bateu vontade de mentiras. E de paetês. E de lantejoulas. Por isso vim aqui, darling, para te tirar dessa caretice e te dar algum ponto de partida. Fechou?
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