Sou atraída para uma casa de praia desbotada.
Nesse exato momento, rabisco seu desenho com tintas fortes,
sem medo de ser feliz
A mulher que atrai é loira, como deve ser, mas debochada.
É incrivelmente bonita.
Oferece à mim um bruit rosé.
Mostra a caixa e insinua que lá existe
uma garrafa fechada.
No entanto, eu sei que a garrafa já foi bebida no ano novo.
O bruit rosé que levei para ter sagacidade num mundo
que ameaça devorar os que resistem em pensar a vida num tempo próprio
confundido com tempo de sonseira.
Sigo confiante e feito adulta finjo encontrar a criança escondida
atrás de suas mãos infantis.
Topo o jogo
e exclamo com verdade:
- Veja, está vazia!
Ela sorri. Oferece à mim o vazio que tanto almejo
na composição do que agora me proponho:
ela pede que eu lhe dê banho
e esfregue suas costas com bucha vegetal,
já não alcança mais.
Ela é uma jovem senhora, mas frequentemente se comporta como uma velha.
Diante do quarto espelhado, lanço minhas mãos para trás
e subo lentamente o meu corpo para saber de minha vitalidade.
Receio não saber até onde posso ir.
Receio, porque é costume por aqui praticar o descuido.
Receio, da mesma maneira que ela, descobrir a falta que o movimento faz
apenas no momento em que ele já não é mais possível.
Digo à ela que as mulheres de sua família têm a pele muito bonita.
- As enfermeiras gostam de aprender da condição humana -
Ela completa minha frase dizendo que, além da pele bonita, as mulheres da família tornam-se gordas
com o passar do tempo.
Sinto-me avisada e não apresento medo nesse destino.
Não combina mais comigo.
A casa tem varandas e portões de fundo
que se abrem para o mar.
Há barulho na televisão.
O hino brasileiro me vem como uma música fúnebre,
irrita.
Não quero enterrar nada nesse momento,
além do texto que me proponho.
A primeira "presidenta" do país me faz pensar:
quanto de privação de sua letrinha "a"
tem que viver cada mulher neste país
para alcançar o poder, meu Deus?
A presidenta parece presidente.
Desligo a televisão e escuto o barulho das ondas
quebrando na praia,
furiosas comigo.
Insistem em se fazer escutar:
são violentas,
são poderosas,
frequentemente conseguem minha atenção tão dispersa.
Barulho familiar que me viu crescer.
A casa guarda lembrança do que fui
e o que fui mediado pela palavra lembrança
é tão mais bonito do que o que realmente fui,
suponho
[pausa para suspirar]
Meu irmão tocando violão no parapeito da varanda
me enche de coragem.
Desejo de voltar todos os dias, sempre que puder,
todas as horas, minutos, segundos,
aqui
O sinal pára os carros
e me oferece tempo de atravessar,
com calma,
sem correria,
atenta,
o dia de finados
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2 comentarios:
que texto maravilhoso. eu senti cada palavra e vivi junto dele. obrigada!
minha flor de lis, obrigada você pela leitura carinhosa.
beijos.
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