martes, noviembre 02, 2010

enquanto espero o sinal abrir

Sou atraída para uma casa de praia desbotada.
Nesse exato momento, rabisco seu desenho com tintas fortes,
sem medo de ser feliz

A mulher que atrai é loira, como deve ser, mas debochada.
É incrivelmente bonita.

Oferece à mim um bruit rosé.
Mostra a caixa e insinua que lá existe
uma garrafa fechada.
No entanto, eu sei que a garrafa já foi bebida no ano novo.

O bruit rosé que levei para ter sagacidade num mundo
que ameaça devorar os que resistem em pensar a vida num tempo próprio
confundido com tempo de sonseira.

Sigo confiante e feito adulta finjo encontrar a criança escondida
atrás de suas mãos infantis.
Topo o jogo
e exclamo com verdade:
- Veja, está vazia!

Ela sorri. Oferece à mim o vazio que tanto almejo
na composição do que agora me proponho:
ela pede que eu lhe dê banho
e esfregue suas costas com bucha vegetal,
já não alcança mais.
Ela é uma jovem senhora, mas frequentemente se comporta como uma velha.

Diante do quarto espelhado, lanço minhas mãos para trás
e subo lentamente o meu corpo para saber de minha vitalidade.
Receio não saber até onde posso ir.
Receio, porque é costume por aqui praticar o descuido.
Receio, da mesma maneira que ela, descobrir a falta que o movimento faz
apenas no momento em que ele já não é mais possível.

Digo à ela que as mulheres de sua família têm a pele muito bonita.
- As enfermeiras gostam de aprender da condição humana -
Ela completa minha frase dizendo que, além da pele bonita, as mulheres da família tornam-se gordas
com o passar do tempo.

Sinto-me avisada e não apresento medo nesse destino.
Não combina mais comigo.

A casa tem varandas e portões de fundo
que se abrem para o mar.

Há barulho na televisão.
O hino brasileiro me vem como uma música fúnebre,
irrita.
Não quero enterrar nada nesse momento,
além do texto que me proponho.
A primeira "presidenta" do país me faz pensar:
quanto de privação de sua letrinha "a"
tem que viver cada mulher neste país
para alcançar o poder, meu Deus?

A presidenta parece presidente.

Desligo a televisão e escuto o barulho das ondas
quebrando na praia,
furiosas comigo.
Insistem em se fazer escutar:
são violentas,
são poderosas,
frequentemente conseguem minha atenção tão dispersa.
Barulho familiar que me viu crescer.

A casa guarda lembrança do que fui
e o que fui mediado pela palavra lembrança
é tão mais bonito do que o que realmente fui,
suponho

[pausa para suspirar]

Meu irmão tocando violão no parapeito da varanda
me enche de coragem.
Desejo de voltar todos os dias, sempre que puder,
todas as horas, minutos, segundos,
aqui

O sinal pára os carros
e me oferece tempo de atravessar,
com calma,
sem correria,
atenta,
o dia de finados

2 comentarios:

Árida dijo...

que texto maravilhoso. eu senti cada palavra e vivi junto dele. obrigada!

L. dijo...

minha flor de lis, obrigada você pela leitura carinhosa.
beijos.