A segunda-feira me rasga o peito sem dó ou piedade e eu, que já estava acostumada a não contar com a piedade alheia, peço misericórdia, porque na dor é assim.
A sexta-feira parece uma filha ingrata, sagaz como devem ser todas as filhas de mãe voraz.
Escrevo mais uma vez que te perdi, só para ver se me convenço de vez.
Escrevo um verso na sociedade dos restos, mas não nomearei com sua graça. Jamais.
Uma alergia de você me rasga a pele das pernas, dos braços e abdômen. Fazia tanto tempo que não me entorpecia de corticóide e nem tomava esses malditos banhos de mar por recomendação médica para cicatrizar as feridas deixadas do humor vulnerável.
Nesse novo arroubo da doença, entendi porque virei o m da rainha do mar de cabeça para baixo, deflagrando uma guerra legítima. Ela não curtiu, óbvia. Eu ri sozinha, porque faço essas coisas sem perceber.
Sinto meu corpo, então, mole, quente, úmido de suor e em delírio, sob o efeito da droga vendida obscenamente pela indústria farmacêutica, grito uma letra do seu nome, mas não terei com isso alívio imediato - informa o cuidador e recomenda novamente daqueles banhos terríveis que fizeram meus pais mudarem da cidade para perto do mar em busca de minha cura.
Volto 15 anos no tempo e invejo a delicadeza com que me propunha a enfrentar a adversidade. Pudera, tudo estava apenas começando: o clima novo, a praia, o rasgo do meu humor sobre mim.
Observe um homem no deflagrar de sua doença, a coragem que ele assume para avançar.
Observe esse mesmo homem passado alguns anos de sua doença e voltamos a conversar sobre isso.
Na enfermaria, a mulher ao meu lado delira com você.
A enfermeira explica sobre o efeito da morfina nos seres humanos. Faço cara de boba e demonstro curiosidade sobre suas explicações, como se não soubesse de nada disso.
Concluo para mim: "Vê, essa pobre mulher ao meu lado não sabe te perder ainda"
Choro porque tenho sangue passional circulando nas veias. É de mim chorar.
O doutor pergunta, preocupado, sobre o que eu escrevo e eu digo que escrevo como quem prescreve a própria cura.
Ele sorri, amoroso. É um homem bom, embora inocente: acredita em correspondências.
A enfermeira retira, obediente, a punção venosa de meu braço, menos doce e sorridente que o doutor.
Entendo, juro que entendo, e em profundidade, seu cansaço frente ao seu lugar anos e anos na hierarquia e não espero piedade novamente.
Nesse ponto percebo estar pronta para seguir adiante, pelo menos por mais um intervalo de tempo.
1 comentario:
as realidades obscenas
vendidas na farmácia
para as puritanas
para as putas
cuida desse corpo
como se pudesse se reconhecer nele
eu sei, é difícil
mas a vida insiste
Publicar un comentario