Desde dezembro do ano passado tem sido isso: um recolhimento
insano de restos. O porteiro agora me olha sem viés, resignado à loucura de
algumas mulheres, que, como eu, recolhem.
Olho então para todas essas embalagens de presente, essas
fitas coloridas, as miçangas de cordões que destruí furiosa na sua ausência,
papéis de carta, florezinhas secas, selos de cartas que não sei, não quero
saber, imagens que recorto nas revistas, convites de casamentos já desfeitos.
Na raiva também rasguei todas as suas cartas de amor. E hoje ando louca pela casa,
feito alma penada, perguntando como foi possível. Procurando provas de que tudo isso foi real,
de que um dia você me amou.
Encontro fotos em que
te olho com uma cara boa, divertida e você olha para outro lado. Já estava tudo
ali, como não pude ver?
São cruéis todas essas pessoas que, como a rainha do mar, te
impelem a fazer escolhas ridículas, tal como escolher entre chico e caetano.
Ó, minha rainha, não fode que Caetano chegou primeiro,
porque é desordem e molecagem. Sempre vai chegar primeiro essa bagunça toda que
ele me faz. Caetano é uma brincadeira linda, infinita, percebe?
Conclusão: quem não preferir a infância é mesmo um chato. E
posso dizer mais, posso dizer sofisticadamente, do alto do salto da minha
psicanálise lacaniana que a bela formosa se encontra excessivamente
identificada a um momento muito primitivo de sua constituição subjetiva, no
momento do “...ou eu ou o outro...”, mas isso não, não distribuirei pérolas aos
porcos deleuzianos (só respeito Deleuze,
jamais os deleuzianos, muito menos as deleuzas).
Enfim, eu só queria mesmo era ganhar uma flor vermelha sua
que eu secaria no livro do amor secreto que um dia escreveríamos, que já
estamos de alguma maneira escrevendo, a quatro mãos.
4 comentarios:
vc escreve. de verdade, é sim literatura,.. porque tem algo muito teu nisso, um mundo. e eu acredito que personagens podem ser não apenas os que falam, mas todas as vozes do texto, espalhadas, estilhaçadas se precisam ser assim. é intenso isso que você tem, e é verdadeiro. não tenha dúvidas. e não é bom somente porque é bonito. é um universo denso, rico, que se respira e move. esses dias eu estava lendo justamente sobre memória, um livro de bergson, e vim aqui e estava escrito "que a memória de alguém é sua verdade inventada,". foi uma coinscidência generosa comigo; mais uma vez que eu vi que teu livro é um achado. uma escrita que eu nunca leio apenas uma vez.
Elton do Bergson eu preciso me aproximar com pressa, sem medo de ser feliz.
Tem um livro lindo da Maria Rita Khel chamado "O tempo e o cão" que ela cita ele. Vale muito à pena.
Por último que bom saber que você ainda vem aqui. Estava sumido.
bj.
claro que venho, muitas vezes.
parabéns pelo texto no jornal. gostei muito.
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