(1)
Começo a ensaiar a partida. Ainda demora um tempo, anos talvez.
Não sei precisar com exatidão, mas meu tempo é lento.
A cidade é cheia de imundícia carnavalesca, um cheiro azedo de cerveja
de ontem entranha o calçamento.
Qual fantasia nos aproxima, leitor? Ne sais pas...
Veja essa sandália de salto que ganhei
com ela adquiro boa altura e alguma sensualidade
foi minha mãe que me deu
mas não duro nela muito tempo que me criei caipirinha na veia
quanto limão pé no chão.
Esse céu que tentamos fixar com nossos gadgets é o mesmo para os dois,
mas hoje a lua não saiu ainda, não quero saber os seus porquês.
Aqui ele fala coisas, sem saber, em absoluto, do que diz
me ensina a perder, a partir:
Nossa flora intestinal muda completamente a cada quinze dias;
O sangue a cada X;
Duzentos fios dos seus cabelos diariamente na pia, baby
Trilhões, zilhões de células morrendo e nem assim você se comove
e eu cansei de esperar meu cabelo crescer do tamanho que já foi o seu
um dia
(2)
Depois que eu atravessei a rua e apresentamos os nossos,
você se sentiu bem à vontade para ficar por ali.
Em meio ao tumulto, você se aproximava, me dizia coisas obscenas
ao pé do ouvido.
Uma suposta intimidade gerada pela barulheira... não nos descobrirão.
Se eu fizesse um gesto estabanado, você dizia: silenzio
Para uma piscadela de entendimento: overture
Você profanava, descaradamente, meu diário 2006
Só podia ser sonho
porque eu revidava corajosa
e olha que eu nem sou corajosa
ou algum tagarela havia te contado o que eu deixei transparecer pela fresta
Eu me irritava e você dizia então coisas de amor para me acalmar
Século XIX na veia
Século XIX na veia
E amansava a voz
Eu te dizia que você não entendia quase nada
Que eu jamais escreveria cartas, poemas, serenatas ao luar
para outras feras, no máximo um pedido de desculpas
Você se atrapalha, eu dizia, eu estou machucada, tenha dó,
minha autoficção, você viu, me traiu
Estou estarrecida de um lado,
no entanto, comovida por outro
Eu te dizia coisas sobre a gravidade em que se encontrava meu coração
Até passar um arrastão eeee índio quer apito, se não der pau vai comer
E você sumir na multidão
Sem sumir, contudo, as coisas que você me dizia em segredo
(3)
Já haviam me dito da dificuldade de encontrar
essa menina madalena
A contra-capa informa com clareza
sobre o espetáculo em nosso tempo
se caracterizar por ausência de drama
e pela quebra da ilusão da realidade
(ai)
Por que procurar Madalena se não há drama?
Por que procurar, afinal, se tudo não passa de ilusão?
O tambor que bate nas vísceras me traz verdade
Eu acredito, mil vezes, eu acredito que sim,
mas ainda não te vi no carnaval
que termina amanhã, acorda, Madá
(4)
Terça-feira não vou sentir culpa por comer a raspa desse brigadeiro de
panela
que igualmente te ofereço. Está muito bom. Você devia experimentar um
pouco.
Decido desistir de Madalena.
Desistir de Madalena é desistir de você? Enfim...
Desejo ver a noite chegar veloz, por isso escrevo
Quero ver se a luz da rua do bar volta a acender
E quero ver se a luz da rua de traz acende também
Estou puta por ter caído na trairagem da minha autoficção
Nenhuma máscara de carnaval colará tão bem quanto essa de palhaça que
fiz
Meu texto sou eu inteira, já falei
Autoficção caída de madura aqui, autoficção caqui
Estou toda engraçadinha hoje, toda rimandinha pobre
Mas a autoficção é cruel e não perdoa:
“Queridinha, quem nunca comeu melado
Quando come, se lambuza”
Apresso-me em bolar estratégias de te perder antes que amanheça
o dia cinza, colorido de carnaval indo embora,
enquanto lá ao fundo ainda se houve
que as águas vão rolar...
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