Logo depois que você saiu, Amarildo me entregou o
envelope. Corri para agradecer, mas não
deu tempo. Fui dar uma volta, que coisa, pensei que o nome de verdade de
Amarildo tem mar dentro. Amarildo também tem mar, mas tem amar e essas coisas
não me passam desapercebidas, porque muito cedo desviaram meu amor para o mar,
que eu não podia me perder brejeira.
Filha de incesto, me poupavam do horror de saber a verdade.
Proibiu-se "essa pouca vergonha" lá em casa, mas você me vem
vestido de irmão mais velho, Il - acho que te disse primo mais velho, me
enganei. Essas histórias geracionais tem força cavalar, proporcional ao tempo
que existem.
Se não risco o papel, me arrisco, por isso escrevo. A vida é
cruel, às vezes, mas pode ser doce como Amarildo, o porteiro.
Alguém me diz sorrindo que já nasci um pouco danificada,
levemente enlouquecida pela genética mal misturada. Eu não ligo, porque já
tenho minha própria ficção, isto é, minha verdade inventada. Diante do espelho
faço novela mexicana. Eu digo em alto e bom tom que estoy a punto de un ataque de nervios e jogo o cabelo para o lado divertida e tosca.
É um deboche e um aviso.
Mas, antes de publicar o drama particular que inventei,
preciso ainda dar forma a um último texto, que abandonei por incompetência em
acabá-lo.
Por isso, talvez, sou tão sensível ao abandono. Desço,
procuro, chamo de volta.
Por isso, não posso te dizer, com essa facilidade que você
canta, vai embora...
3 comentarios:
Peça ao porteiro que guarde o mar em seus olhos.
E não deixe qualquer um subir para navegá-la.
amar, verbo intransitivo.
Amarildo é meu guardião e só deixa entrar o que for de amar.
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