martes, abril 02, 2013

stone flower


Agora é um texto perigoso o que me arranha, insiste para ser escrito.
Eu tento me proteger do amor demais, mas o ouvido, esse buraco sem tampa, recebe a sua voz que é cheia de enigmas. Eu gosto um tanto do barulho que só sua voz faz aqui no meu ouvido.
Um jeito único de pronunciar aquela palavra que se não digo é para te proteger da solidão, meu amor.
A droga que você consome ainda na escadaria da favela, tão veloz, não vai me ver chegar mansa, quase muda. Peço licença, me ofereço ardilosa ao traficante cabelo amarelo do Belo, belo apareça quem eu quero - pura estratégia para salvar o seu amor de menos.
Ele diz que é melhor eu não voltar lá, se quiser me manter viva. Supõe que não sei frequentar a selva, mas eu sei, retruco baixinho, ontem fiz um tigre se apaixonar por mim. Quase entrego o jogo. 
Com envergadura de bailarina faixa preta olho para trás -especialidade da casa, baby - e pergunto gritando em público se você ainda me ama. Recebo corajosa seu silêncio drogado.
Estou desarmada de ódio no meio da rua e chove. Chove como nunca. É na minha retina que chove. 
Estou escutando seu apelo, pela primeira vez.
A primeira vez é quase sempre meio surda. Um jeito afobado de tirar a minha roupa, desabotoar a presilha do meu cabelo e dizer umas coisas que não se guarda, porque é hora da falência de todos os códigos, é hora do animalesco.
Eu te perdôo a voracidade, porque sei: já aguardamos tanto tempo.
Naquele dia chuvoso, presa do trânsito, te sonhei, quis te ver e perguntar sem dó ou piedade o que eu era, na verdade, para você e o que eu sou agora
com esse texto perigoso me arranhando a carne,
metendo a mão por debaixo de minha saia, 
me exigindo para ser escrito.

1 comentario:

Árida dijo...

a primeira vez é quase sempre meio surda.
lindo lindo.