(...) que a dor não tem forma, bobo. A gente bem que tenta escrever, tenta uma, duas, três, quer fazer borda, contorno, vai na esquina, toma água de coco, beira do mar, beijo na boca sabor tuti-fruti e quando quase desisti, adquiri forma, vira uma outra coisa. O nome disso nem é dor mais.
Os homens com suas linhas retas me irritam, vezes me despertam alguma piedade maternal. Sou mais os que se encorajam na aventura do feminino.
To lembrando Jão agora, tão engraçado. Entra, dessa vez, se queixando das mudanças que o governo promoverá no trânsito. Vão passar uma desgraça de uma alça dentro do mangue seco. Vai ser foda sair dalí. Calma, olha que tristeza mata, Jão. A gente conversa um tanto. Brinca com as palavras e ele sai rindo, do alto de sua psicose, que o bom da alça é ter apoio pra carregar o peso da mala, conclui.
Enquanto isso eu masco chicletes. Menta dessa vez. Ver se alivia essa dor insuportável, esse nó que se fez em minha garganta. Entupimento qualquer. Qualquer uma ova. Desaforos que não falei pelo preço da elegância. Vestido de bolinha, 38.
Prefiro os homens tortos. Prefiro os que dão filhos às suas mulheres, que as proporcionam a experiência de ser mulher o suficiente para se tornarem mães. Prefiro os homens que cuidam da vida. Prefiro os homens que ampliam, todos os dias, sua capacidade de amar. Os que ousam colocar palavras na dor, sem usura, que a usura é para os fracos.
Por falar nisso, inventei um sonho novo: eu dizia, altiva, os tais desaforos, forjava uma atriz de ópera italiana. Foi bonito. Falando, chorando, cantando. Não sei bem se cantando, mas acho que sim. Que um melancólico pode até se queixar de não saber se antecipar a dor, de ser pego de surpresa por essa senhora nebulosa, mas ninguém poderá cometer a injustiça de afirmar que ele desconhece profundidades. Essas que atravessam tempo, que exigem fôlego. Mergulho.
Não ter velocidade, mas fôlego. Suportar é viver, Jão. Conhecer a dor, contorná-la.
Cantarolar asmática mio babbino caro.
Espanholar o italiano. Interpretar Maria Callas no chuveiro. Eco de banheiro. Assoviar, mesmo sem saber muito bem, aquela música política que fizeram pro Maradona cantar.
Sorrir de ver a voz fazendo alça, de ver a voz fazendo apoio, de ver a voz atenuando, finalmente, o peso da mala.
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