domingo, enero 01, 2017

Impublicáveis XVI

A primeira noite do ano começara para mim sem felicitações cafonas no último que ocorrem pontualmente às 00:00, sem pirotecnia, sem aquela ilusão toda montada pelos homens.

Preparei a ceia sozinha e sentei à mesa com meu pai. Éramos só os dois. Não tive medo de encará-lo bêbado, desprovido de sua máscara de pai, humano. 

Sabia que ele se repetiria durante toda a noite, mas não me cansava, ainda. Seus assuntos, tão inofensíveis, me fariam pensar que talvez eu não me interessasse tanto por aquela história num outro contexto. Rimos juntos de trivialidades. Em seguida, recolhi a mesa, antes dele autorizar. 

A distância me fez esquecer o quanto ele se demorava com as reflexões do pós jantar: a infância miserável, as aulas de química que ministrava em cursinhos de classe média para viabilizar seu estudo superior, a empresa que o constituiu na medida em que era constituída por ele e, por fim, seu desinteresse generalizado pelas coisas da vida. Sempre, religiosamente, nessa ordem.

Tive vontade de apressá-lo e dizer para ele acordar, que a vida não esperava ninguém, que ele recomeçasse esse ano mesmo, recomeçasse ali, caramba, sem grandes cerimônias. Eu já estava quase perdendo a paciência, mas ele permanecera tão teimoso em suas verdades que se eu fizesse qualquer alusão ao assunto, certamente abandonaria mais um ano com o único intuito de me contradizer, então não disse nada. Dei a ele o meu silêncio. 

Aguardei mais um momento e o sono veio cedo como um artifício providencial. Me despedi com ele dizendo que ainda ficaria mais um pouco. A informação me chegou sem que eu perguntasse nada - e existiu nesse dito uma metáfora que só uma filha amorosa poderia decifrar. 

Beijou a minha testa, disse que me amava e agradeceu o jantar. Não mencionou em nenhum momento a minha mãe, para o meu espanto. Parecia pleno. Estava alto, mas manteria o equilíbrio necessário para encher a taça de vinho. Sustentaria um embate com a bebida madrugada adentro, assunto masculino sobre quem derruba quem: era ele ou o vinho. Não cabendo ali, me retirei sem maiores delongas. 

Aceitei o sono me vencer. Meu passo a mais consistiria, depois entendi, no aprendizado que versa sobre não entrar em embates inúteis, tendo em vista que a grande guerra igualaria a todos. Todos, em absoluto, sairiam perdedores e, depois, naquela altura de minha vida, as guerras já me entediavam. 

Na cama alguns sonhos impublicáveis me aguardavam, outras batalhas.

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