miércoles, agosto 18, 2010

bento ferreira V

Depois de escutar a verdadeira história de Bento Ferreira, parecia ilógico não transmitir a outrem sua mais nova obsessão.

A roubadora que surgia naquele momento poderia muito bem ter sido evocada pela autora diante da descoberta da fonte legítima, podia muito bem ter sido alucinada com o intuito de lhe retirar da solidão de escrever o que era imposto com a maior violência.

Se pudesse perder para sempre a história que havia escutado de Bento Ferreira...mas aquilo de perder para sempre era uma espécie de tique da profissão forjada para ela pela roubadora.
Era preciso eliminar todos os tiques psicanalíticos de seu texto.
Como os seus conhecimentos de psicanálise eram muito precários atribuía à roubadora a existência de expressões mais elaboradas tais como associação-livre, ato falho, objeto para sempre perdido que se infiltravam em sua história.
Tais termos a confortavam do ponto de vista de que o cansaço não havia gerado uma mera alucinação. A roubadora existia. No entanto, era um conforto passageiro, pois os tiques não ensinariam a ela sua forma, sua veia na escrita.
Estranhamente, as expressões pareciam lhe oferecer algum ponto de partida.
Do ódio à roubadora passou a desenvolver um amor enorme: se ela lhe angustiava por representar o roubo da história, também lhe oferecia algum axioma que não a deixava cair de vez no abandono.

Compreendeu rapidamente que a solidão não era equivalente ao abandono.
Compreendeu que a roubadora sabia que se a deixasse abandonada, ela não produziria.
Compreendeu que a roubadora encarnava para ela ora o editor vigarista que deseja o texto rápido e comercializável, ora uma espécie maternal que acolhia os seus atrasos, seus pequenos desastres, sua faltas e até mesmo os seus erros morfo-sintáticos.

Suspeitava que a roubadora era uma espécie de existência internalizável. Mas também sabia que não podia se perder no fascínio gerado por ela, caso contrário a história de Bento Ferreira não sairia.

Quis morrer de amor.
Um impulso de vida novamente a despertou e a fez continuar no caminho que fazia sempre em direção à Bento Ferreira.

2 comentarios:

Anónimo dijo...

Me sinto bem melhor agora que eu vejo que não estou ficando doido sozinho!! rsrs

Toutefois, das Ding de tiquê sind sehr komplex pour moi...

E essa coisa de querer morrer de amor, um impulso de vida! putz! me pareceu um lindo paradoxo!

Árida dijo...

o abandono e a solidão são verdadeiramente diferentes... o desamparo também. talvez é algo que não se transmita, só se sente