miércoles, diciembre 21, 2011

Cartas, análises, exercícios literários e otras cositas más ou os restos de mim


Imagine um grupo de ouriços em uma noite fria de um inverno rigoroso. O frio está intenso e eles sabem que a melhor forma de sobreviver às baixas temperaturas é ficando juntos para que eles possam se esquentar com o calor do próprio corpo um do outro. Porém, quanto mais eles se aproximam, mais eles machucam uns aos outros com seus próprios espinhos. Então, o que fazer?! Se sacrificar e entregar-se às dores dos espinhos em prol do calor e da proximidade ou presevar sua própria integridade, se afastando e por fim, sofrendo recluso à sua fria solidão?!

Freud, O dilema do ouriço




Caro Matt,

Resolvi escrever para dizer a você que a resposta de uma carta, qualquer que seja, será sempre a resposta a uma carta alheia. A carta que nos chega, querido, jamais será a mesma que nos foi enviada e devo confessar que tenho uma espécie de tique nervoso, uma paranóia saudável, em escutar na carta dos outros algum endereçamento à mim, o que, frequentemente, me leva a escrever mais. Verifico se os meus delírios procedem ao tecer respostas a essas cartas que me chegam por motivos que, às vezes, muitas vezes, me escapam.

Eu também tendo ao saturnino, apesar de me esforçar nos passos de dança de Mercúrio – por quem, a algum tempo, me quedei apaixonada. Acho que a prática de cartas, que muito me anima, tende ao mercurial, já que é vontade de dançar leve e deixar o peso e a solidão de Saturno para lá.

Sabe, Matt, não deu tempo de te dizer montes de coisas, porque houve uma época em que eu andava muitíssimo ocupada com uma aflição que até hoje me acompanha, mas que agora está mais domada. O tempo fez crescimento em mim.

Não pude te dizer que vivia muito aflita e envolvida na invenção de estratégias para não ser abandonada em nenhuma hipótese, para não perder o amor de ninguém e talvez, por isso mesmo, não pude ver suas impossibilidades, dificuldades e aflições (não sei como você nomearia).

Enfim, minha história é looooonga, chata, cheia de rodeios. Não cabe na literatura. Nas cartas, ela não cabe e nem nas sessões de análise, quem diria. Minha história vaza. É uma proliferação cansativa.

Rapidamente te explico que fui encontrada, ainda bebê, numa caçamba de entulho por meus pais adotivos e muitas outras pessoas que por lá passavam. Era meio-dia – talvez por isso eu adoro meio-dia – e, segundo relatos, eu chorava insistentemente, como quem apela. Branca do jeito que sou, deveria estar sofrendo queimaduras de sol. Não sei se você se recorda, mas em maio o sol ainda está bem forte por aqui nos trópicos.

Meu grito foi ouvido. No entanto, quem já foi deixada uma vez em meio aos entulhos, não aceita perder o outro e suas migalhas com facilidade, entende? Daí eu não me conformar com a sua distância saturnina.

Acho incrível meu apego ao abandono ainda hoje, se tudo o que me contam é que eu fui muito amada, desejada, que eu era uma criança linda e carismática. Dizem que houve disputas na justiça pela minha guarda, imagine...Mas, minha veia saturnina é insistente, chata e me deixou às voltas com a história da derrelição. Fazer o que? Operar no abandono. Viver.

Você, que também já foi deixado em uma bacia, deve saber bem do que eu estou falando.

Existe, apesar dessa história triste, uma coisa muito boa: os entulhos, os restos, os lixos nunca me assustaram, na realidade, sinto-me muito confortável na presença deles, trabalho com a escória, desenvolvi algum savoir-faire com rebotalhos.

Não tem aqueles montes de fitas que você me deu? Aqueles restos de sua viagem à SSA? Então, tanta coisa fiz com essas fitas, tantos adornos, arcos de cabelo, marcadores de páginas para meus cadernos de exercícios literários, laços de presente, fitas dos desejos de três nós apodreceram em meus tornozelos até se romperem. Enfim, perdi as contas...poderosas essas suas fitas e o que eu pude fazer delas.

Na verdade, quando te encontrei, já sabia usar muito bem os meus restos, por isso o blues não foi tãããão intenso assim. Relaxe, se isso te relaxa. Eu, que já andava apaixonada pelo passo de dança de Mercúrio e meio de saco cheio dos caprichos de Saturno, segui a vida, pois entendi que você precisava viver Saturno na carne. Acho, que a meu modo, soube te respeitar.

Mercúrio, numa de suas negociações pela rua – que ele adora, né? – acabou me encontrando indo em direção, totalmente errante, à uma caçamba de entulho estacionada na rua próxima. Eu, você já deve saber, não posso com o álcool e me encontrava um tanto alterada nesse dia. Quem tende ao saturnino, não sabe medir alegria quando ela vem e acabei me excedendo.

Quando Mercúrio me perguntou por que errar a vida inteira em direção às caçambas de entulho, eu pude entender muita coisa e quase chorei. Ele se compadeceu. Entendeu que eu não sabia jogar direito aquele jogo a que todo ser de linguagem precisa se submeter.

Expliquei-lhe na falha que existia em minha constituição subjetiva, que me fazia ter aquele delay - tão característico meu, que faz com que algumas pessoas me julguem retardada mental, mas com Mercúrio foi diferente, ele até achou engraçadinho.

(Agora em tom maternal)

Matt, querido, te escrevi para dizer que não devemos nos desculpar por vestir as fantasias que cabem no nosso pobre corpo e que as histórias de amor (proibidas ou não) são os encontros dos personagens que cada um, dentro de suas possibilidades, pode viver, percebe?

O amor é amplo, Matt.

Sejamos amáveis, apesar de nossas bacias ou caçambas de entulho.

2 comentarios:

Árida dijo...

as histórias de amor são tantas. estão todas na caçamba...

L. dijo...

Menina, me disseram que armaram uma cena toda, mas todas as perguntas falavam de amor...rs...