recado

"Tu sabes que a máscara da noite vela o meu rosto, pois, se assim não fosse, verias um rubor virginal tingir-me as faces, pelo que me ouviste pronunciar há pouco. Bem quisera eu guardar as conveniências e negar o que disse; mas adeus conveniências! Tu amas-me? Eu sei que vais dizer que sim, e acreditarei na tua palavra; mas, se jurasses, podias trair o juramento; dizem que Júpiter se ri dos perjúrios dos amantes. Oh, querido Romeu! Se gostas de mim, dize-mo lealmente; mas, se pensas que fui muito fácil de conquistar, franzirei as sobrancelhas, serei cruel e dir-te-ei: “Não!”, para te dar ensejo a que me faças a corte. Doutro modo nem por todo o mundo o farei. A verdade é que estou apaixonada, e por isso talvez julgues leviana a minha conduta; mas acredita, meu senhor, que me hei-de mostrar mais fiel do que aquelas que sabem melhor afectar reserva. Confesso que teria sido mais reservada se tu não tivesses surpreendido há pouco a confissão apaixonada do meu amor. Perdoa-me, pois, e não atribuas a um amor leviano esta fraqueza que a noite escura te permitiu descobrir."

Julieta para Romeu

Mercúrio apareceu veloz, como de costume, trazendo um recado seu. 

Só de olhar, reconheci: seu recado, meu bom Mercúrio, é de Romeu. 

Mercúrio abatido, com os olhos vermelhos...de chorar (?) 

me assegurou que não... disse passar por mais uma crise alérgica, comum em nossos tempos tão poluídos.

Sabe, eu lembrei do Fernando, na sexta série, me chamando num canto do colégio, fazendo o maior clima, jeito de mistério, ao mesmo tempo que retirava daquele bolsinho falso das bermudas escolares um bilhetinho: “mandaram te entregar, é pra você”.

Não precisou de muita leitura para perceber que a letra de Romeu era a de Mercúrio, como a de Fernando era a de Fernando mesmo.

Ah, Romeu! Procuro o amor e encontro Mercúrio de sandálias aladas e motocas voadoras 

(te sacaneei dizendo motoca, vai?)

Que Julieta mais infiel eu me revelo aqui!

Whatever. Essa minha história fatalmente terminará em tragédia. Está escrito. É estrutural.

Todos os dias, me virando em Julieta, a cada leitura, tudo tão igual, tão entediante que resolvi mudar um pouco o caminho, mesmo sabendo que todos os caminhos inevitavelmente me levariam ao mesmo ponto.

Quis variar um pouco, seu Shakespeare, mas sei que isso aqui não é Bangu. Perdoe essa pobre alma destinada a ser Julieta e morrer de amor aos poucos, a cada ato, cada canto, cada sessão.
Porra, até os personagens não são de ferro e você, Mercúrio, se apresse em dizer a Romeu que eu já mapeei a situação, que estou ligada, que serei discreta, mas que não desisto.