martes, noviembre 13, 2012

cinco días en mérrico


"Quem repara nas minhas vestes em chamas 
tão inapropriadas para o almoço de  domingo?"
AMM

(1)

Perdi minha caderneta azul de corações rosa-choque. Tão cafona quanto meu amor por você.

(2)

Ainda estou sem entender porque fui buscar a releitura do poema "Figo" na página cinquenta e quatro, se o poema está na cento e quarenta e um. Meus lapsos me acordam feito a lua. Estou acesa.
A página cento e quarenta e um grita, faz cara de mal e, por fim, me afronta:
"Quem repara nas minhas vestes em chamas tão inapropriadas para o almoço de domingo?"
E como se respondesse, o da cinquenta e quatro diz sobre preencher com álcool nossa distância.
As respostas se antecipam a todas as perguntas postas.
Justifico que não reli esse livro, que tanto gostei, por falta de tempo, mas é mentira.
[Percebe que eu melhorei nas vírgulas?]
Ando inapropriada para esses arroubos de sentimento, porque toda sua falta em mim já vira melancolia.
Eu sonho que quero te ver humano e você me responde com tantas palavras bonitas, decoradas. 
Não sei se te alcanço.
Você, que insiste em partir, não sabe o que me faz.

Não tenho um livro de poemas para te dar, mas eu reescreveria este e remeteria pelo correio como se eu estivesse escrito.

[Exercito caras de pau no espelho. É divertido, mas tenho medo de mamãe abrir a porta e me pegar fazendo essas loucuras privadas]

Adivinho que você não conhece essa autora nova. Ela é menos melodramática e não escreve essas coisas modorrentas de amor que eu escrevo. [Mentira]. Ela diz: "Há uma noite para os jogos e uma para as juras". Computo que você me dá mais noites do primeiro tipo, mas temo estar sendo injusta. 

Enfastio, mas além do álcool vou colocar, prometo que juro, mais palavras, mais romance, mais lenha nessa distância, porque sei resistir com bravura e sei recusar com carinho o seu não.

(3)

Eu ainda não aprendi a te esquecer, só para constar.

Fico feliz em te escrever essas palavras de amor.
Exerço aqui meus excessos. Minhas bobagens verdadeiras.
Uma mentira bem elaborada tem sofisticação e transmite o que uma verdade banal nem sonha alcançar.
[Tenho sonhado com você todos os dias, na minha praia inventada].

Suspeito que toda poesia conta de um amor perdido.
No meu último sonho deixo minha caderneta ridícula com você. Não há como resgatar.

Estou a escrever uma novela mexicana e adivinha?
Eu sou Carmem Dolores e você Carlos Daniel.
Bobagem.
Sinto não poder compreender mais. Esse meu amor opaco ofusca minhas demandas de entendimento.
Sonho acordada com a praia do nosso encontro e acho meu sonho injusto porque você também deve ter uma praia de sonho.
[Vamos combinar uma praia nossa?]

O doutor me disse dessa vez que minhas costelas inflamaram com as tosses, mas "o pulmão já está bacana".
Estou inflamada, você precisava ver isso tudo por dentro: dói um pouco, mas é bonito.

"Quem repara as minhas vestes em chamas tão inapropriadas (...)" para o convívio social?

Concluo que você até me ama um pouco, senão, não me deixaria desavisada sobre a despedida.
Mas essas cartas de amor que escrevo me atrapalham a esquecer por completo
esse seu último gesto tão amável.

(4)

Eu nunca quis ter seu telefone tanto quanto agora
em que a lua me acorda
Leio esses poemas e transcrevo como se fossem meus
Não tenho um nome para a autora
terei que assinar meu nome próprio
e sei que isso é picaretagem
mas aceite com carinho
é para você que escrevo:

Hoje ela chegou atrasada
conversou um pouco antes de dizer a coisa mais bonita que já disse
Falou que tem um problema para terminar seus amores
Acha que sofre mais com o fim das coisas do que essas separações mereceriam
Acha que isso tem a ver com sua facilidade para engordar
Eu escuto tudo com o coração sorrindo
e, um pouco emocionada, seguro o choro olhando pro alto

Andam dizendo por aí que eu sofro de incompreensão
não acredite
é desamor dessa gente torpe
Desde que tinha seu telefone
já era assim, lembra?
Você me atendia com voz rouca e contava as coisas mais bonitas
eu me sentia amada e dormia
era tudo tão fácil

(5)

Minha mãe ligou agora dizendo que esqueci uma caderneta na casa dela
que eu preciso ter cuidado para não esquecer "esses troços" que escrevo no trabalho
pode me prejudicar e ela não quer me ver mal

fim da novela mexicana





3 comentarios:

Árida dijo...

Carmem,

alimente a distância com sua doçura. tosse, cigarro e vinho ajudarão. embrulhe com poesia.
guarde consigo todas as ligações que não fizemos, por falta de coragem e por excesso dos anos.
gosto quando se veste com a cara de pau, você fica ainda mais bonita, ainda mais inflamada.
eu quis sair em desaviso para ter de última lembrança o som de sua gargalhada deliciosa. é a melhor lembrança.
regue suas plantas, esconda seu diário, preserve sua mãe de tudo que a faz sofrer.

a nossa praia nos espera, silenciosamente.

com amor, Carlos Daniel.




L. dijo...

vou escrever minha gargalhada para você que merece a alegria e pouparei mamãe dessas coisas todas, coitada. Tens razão, como sempre...

saudades

Anónimo dijo...

Inflamada por dentro foi preciso!
Matt