Não confio nesse vendedor especializado em fornecer produtos eletrônicos à prova d´água, como tenho boas razões para desconfiar das indústrias de cosméticos com suas máscaras para cílios à prova de nós.
Mentem os psicanalistas que dizem não estarem te analisando. Até eu que não tenho qualquer know how nessa área empresto ouvido para a cena histérica desses vendedores que não acreditam no que vendem.
Caminhada torpe, cinza, lenta, alcalina depois do almoço de quarta.
Meu petroleiro atravessa a ilha do amor agora e Madagascar ficará vazia e cinza depois dessa passagem. Passará esse navio de chumbo, lentamente passará. Tudo passa.
Como também passará aquele vendedor, o dos produtos eletrônicos. Ele berra ao telefone, como quem vende para qualquer um que estiver passando. É um ato desesperado do qual eu me compadecerei no quarteirão seguinte pensando como é frágil a condição humana. Ele diz de um televisor que poderia ser instalado na área de serviço, na piscina ou mesmo na banheira de hidromassagem: “É tudo ao gosto do freguês, se quiser fazer xixi em cima também pode que não estraga” e fica rindo sozinho do patético que encena para ganhar a vida. Acompanho porque sou vulnerável à solidão dos homens e ponderaria, se fosse psicanalista, se tratar de um caso raro de histeria masculina. Ele dobrará a esquina e findará, na minha ausência, sua encenação de que existe de fato alguém do outro lado da linha.
Meu petroleiro se entrega a cargas pesadas, cada vez suporta mais, suporta muito, quer suportar o mundo, quer esquecer de si, de que ele também tem uma capa de proteção à prova d´água e que não deve derramar tão facilmente. Meu petroleiro é elegante, não quer borrar a maquiagem.
Na altura da Leitão da Silva, bar copo sujo. Entro sem medo, apesar da blusa de lesie, fivela de strass e brinco de pérola. Não sou da paróquia, todos sabemos e corôo esse entendimento com o pedido: dois serenatas, por favor. O bebum do balcão pergunta: “de amor?” O balconista ri para mim, balança a cabeça como que reprovando a atitude. Pode ser, respondo ríspida. Durona ela, o bebum retruca, e pergunta mais, pergunta direta, na gengiva: por que dois? Eu ainda não derramo, porque também sou feita de ferro. Sou o petroleiro e oferto meu silêncio com sorriso doce na boca, perfume francês que ganhei de natal.
Já nas proximidades do colégio burguês, desmonto. Um pra mim, outro pra você, que guardarei com carinho na bolsa. O tempo, que não nos perdoará, o calor e o abandono, na bolsa de uma mulher que não se interessa mais em organizar o que não tem ordem, estragarão o que poderia ter sido tão bom
bom
então é um rombo na carapaça de ferro. Petroleiro vazando. Sinal de alerta ligado. Lama negra que comprova minha alucinação inicial sobre a indústria de cosméticos e o ambulante histérico, coisas da minha geração, essas duas falácias contemporâneas, eu e você.
4 comentarios:
quero você em forma de livro
e continuo mentindo
se disser
que não interpreto seu naufrágio
"Minha flor minha flor minha flor.
Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro.
Minha peônia.
Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão.
Minha gérbera.
Minha clívia.
Meu cimbídio.
Flor flor flor.
Floramarílis. floranêmona. florazálea. clematite minha.
Catléia delfínio estrelítzia.
Minha hortensegerânea.
Ah, meu nenúfar. rododendro e crisântemo e junquilho meus. meu ciclâmen. macieira-minha-do-japão.
Calceolária minha.
Daliabegônia minha. forsitiaíris tuliparrosa minhas.
Violeta... amor-mais-que-perfeito.
Minha urze. meu cravo-pessoal-de-defunto.
Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte"
e essa declaração de amor de Drummond é tão incompleta porque tem falta sua aqui
minha flor minha flor minha flor de lis.
Tenho que me virar rápido em outra. Porque aqui, Árida, nau frágil total.
Ah quanta beleza! A flor tão frágil quanto a nau.
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