miércoles, junio 07, 2017

desvio literário

2:47

Pelo emeio, a velhota manda um convite mal-educado. Ela é assim mesmo: paradoxal. Convida expulsando. Deve ter lá seus ganhos com isso. Perdi as contas das vezes que já nos esbarramos em mesas de congressos e ela sempre com essa performance esquisita. Me sinto cada vez mais distante da civilização. Saio da toca, pontualmente, para noticiar o que encontro em minhas pesquisas. Estudar é um ato extremamente solitário, embora dialogue o tempo inteiro com o texto de outros. Tenho preguiça das discussões políticas que se alastraram pelo país afora. Não insista, não vou voltar para o facebook. Não tenho sangue de barata. Converso bem sobre flores, livros e músicas. "Sério que vocês vão discutir isso mesmo?" Joana soltou na mesa, quando meia dúzia de boco moco se engalfinhavam calorosamente. Laub abaixou a cabeça e pegou o celular. Eu fui a única que vi: ele não estava fazendo nada com o aparelho, só evitando papo tão fora de hora. Então puxei conversa e lá pelas tantas ele quis saber como eu fazia para dobrar lençol de elástico. Eu gosto à beça desses assuntos domésticos. Achei curioso ele perceber. Foi importante para mim ensinar um escritor que respeito a dobrar lençol de elástico. Um feito. Joana também se interessou. Ela é mais fácil de se envolver. Encontramos um tom. Constatei surpresa e, para piorar, em voz alta que eu havia sentado ao lado dos artistas e não dos analistas. Um freudiano, que se diz lacaniano, bem interpretativo e selvagem, desferiu um "não deve ter sido à toa". Me apressei em rir na frente de todos para não prolongar muito a chacota. Ponto para o freudiano, fazer o quê, na vida a gente perde, às vezes. Contei que eu tinha um sonho de ser escritora e que até sustentava um blog há doze. Joana tirou da bolsa, rapidamente, uma caderneta, uma caneta  e pediu o endereço. Tantos anos assim, deve ter coisa boa lá. Nem tanto. Mudei de assunto e falei de um fulano que trabalhava com códigos. Anota o nome dele aí, pode te interessar. Dou, frequentemente, a cena para o outro com fins de descansar de mim. É uma estratégia antiga que sempre dá certo, pois falo com entusiasmo, floreios, arabescos dourados e brilho nos olhos. Todos se encantam e eu garanto os holofotes para bem longe de mim. Ela quase recorda que não havia tirado a caderneta da bolsa para anotar aquele nome e engato na sequência um convite para um cigarro. Ela esquece de pegar meu endereço. Fumamos juntas olhando a cruz da praça do papa refletir no prédio superfaturado do governo. Ela pensa que podia fazer um estencil aproveitando o holofote da prefeitura. Rápido, barato e potente. Joana diz que eu não pareço ser daqui. Eu digo que não sou mesmo. Sou do mundo da lua. E rio. Ela lembra: sim, você escreve! E seu blog? Ela então compreende toda a minha correria com o cigarro. Rimos as duas. Tá bom, ela finaliza, rápida, quando você resolver, me dá seu endereço para eu te ler. Tá bom, Joana. Já te dou.

A noite corre até a madruga. Pego uma carona com a carona de Laub. Desço no ponto de táxi do shopping. Despeço de Laub e da carona dele. Estou finalmente sozinha na madrugada e posso escrever a hora que quiser.

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