domingo, marzo 11, 2018

Direção

Sofro de não saber em definido minha ascendência. Não sei se sou filha do Sul ou do Norte. Fui feita na cidade grande e nasci nessa cidade, mas me criei no norte. Meus pais vieram do Sul, com toda carga linguística de um Sul quase minas. Eu falo meio mineiro, meio capixaba. Tem gente que percebe, só de eu falar, que não sou daqui. Mas eu gosto dos equívocos, então eu digo com semblante de surpresa: De onde você acha que eu vim? E em seguida digo que sou filha daqui. E se for bom pro laço com quem me pergunta, digo que meus pais são do Sul ou que me criei no norte, depende muito de quem fala. Atuo como uma espécie de impostor inverossímil, aquele conto do Borges que você nunca leu e que agora vai ler só porque eu te disse e você quer saber de mim. Quer saber de onde sou. Se você me descobrir, me conte.

Sou composta de complexidades. Sei de cór que as frases são enunciados com sentido completo e que podem ou não apresentar núcleo verbal, que as orações são enunciados com núcleo verbal, mas que não possuem necessariamente sentido e que os períodos são enunciados de sentido completo com núcleo verbal. Sei dessas coisas todas porque fui aluna de Silvestre e Ana Cristina. Eu não sei mais o paradeiro de ambos. Mas eles existem através de mim no momento em que te digo isso um tanto desordenadamente.

Estou indo embora, eu avisei ao Eduardo e ele só se tocou quando eu fui. Foi me procurar e eu já não estava mais lá. Sou rápida quando me decido, mas demoro muito tempo analisando os truques, as manhas e os caminhos da decisão. Sou mais analítica do que concreta. 

Gosto de enigmas, de equívocos e de mistérios. É um jeito de erotizar minha paranoia. Gente muito transparente me afasta. Perco a graça rápido desse tipo. Mas nada disso que eu sei sobre mim ajuda a resolver a minha origem. 

Dizem que guardo a exuberante gesticulação italiana. Eu não sei. Alguns acham que eu transmito calma. Deixo as pessoas pensarem muitas coisas sobre mim, mas nem eu sei o que eu sou. Acho uma pergunta sem solução. De onde eu vim, também não decido. Sei que sempre vou em direção ao que me faz me sentir viva. É uma mania. 

Tenho saudade de uma porção de coisas, mas quando entra a segunda-feira eu penso na minha lavoura para cuidar. Isso me ocupa e me guarda durante a semana.

Nesses últimos dias, um livramento me salvou novamente e eu voltei para a vida. Tenho tido essa sorte a muito. É, igualmente, um livramento ter nascido num corpo de mulher e ter me tornado a mulher que eu me tornei. Tenho flexibilidade o suficiente para receber o que vem do outro sem julgar. Mas eu também quero ter um lugar de brilho onde possa me constituir. Escrever ajuda a ver o caminho que desenho no mundo. Deixo uma parte do colo à mostra para você ver um pedaço de mim. Até acho que você gosta. 

Deixei um vinho caro na saída de presente para você. Aprendi com minha mãe a agradecer sempre. É um malbec argentino single vineyard. Espero que você goste. 


Estou indo em direção aos encontros que contribuem para que eu possa me compor. Eu espero te reencontrar um dia, talvez, sob outra perspectiva, tendo em vista sempre essa mesma perspectiva que é a vitalidade manifesta quando escrevo à você sobre minha condição. 

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