miércoles, junio 27, 2018

Tanque de decantação


“Broken hearts make it rain”


Na mesma nota em que escrevi a lista de compras gigantesca do dia em que não havia quase nada em casa, faço um espaçamento para garantir a nós um esconderijo e te digo todas as palavras que você não me deu. 

Eu não sei o que são essas imagens que você me oferta. Sou mais auditiva que visual, mais leitora que escritora, mais resignada, mais intelectual que artista, querido. Sou uma anacrônica da palavra, lutando contra moinhos de vento.

Ainda aproveito a passagem secreta e sussurro no seu ouvido o mezzo reggae do Radiohead que aprendi no show. Você precisava ver o Thom York com quase cinquenta anos, uma viuvez recente, dois filhos adolescentes pra criar, cantando e tocando e dançando no calor do Rio de Janeiro. 

Qualquer energia desse tipo me lembraria um momento específico da minha vida quando resolvi me perder de todo o conhecimento que eu havia construído sobre mim. Foi nesse contexto que te encontrei buscando o quê eu não podia saber, mas eu bem soube me posicionar como objeto para o seu amor - essa habilidade tão feminina que nem eu sabia que tinha.

Depois foi sonhar sucessivamente com tanques de decantação para descobrir o que podia ficar de uma história tão impossível. O delírio faz uma reparação no dano de algumas vidas tão tristemente conformadas com a chegada da maturidade cinza.

(Acho que já te disse, mas vale, nessa altura, te lembrar: tenho compulsão por camisa cinza mescla)

Sussurro mais essa e digo que o nosso tempo esgotou. Você acorda com saudade, mas pega rápido a viola, coloca na sacola e vai trabalhar que a sua lavoura é grande também e os tempos não são favoráveis para aqueles que não levantam da cama todos os dias e metem a mão no mundo sem dó ou piedade.

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