jueves, abril 23, 2020

Decolores 19

Eu ia começar o texto dizendo que no hay banda. Silenzio. Nem uma palavra. Llorona. Bobagem. 

O choro do bebê corta a narrativa. Plena madrugada. Nunca mais soube o que era dormir uma noite inteira sem hora pra acordar. Escrevi a você que sentia falta de tomar cerveja barata e comer aquele churrasquinho na pracinha, às quintas. Eu gosto desesperadamente do que é simples. Uma tentativa de fugir dessa complexidade toda que agora a vida me impõe. 

Discordo tanto da teoria que escolhi para manejar a vida. Desencontro de mim todos os dias. Maternidade é plenitude. Pobre Freud, homem em uma sociedade vitoriana. Maternidade é devastação. É se perder do que você... já era. Não há como voltar porque quando os olhinhos de jabuticaba te acordam 1, 2, 3 ou 4 da madruga, no melhor do seu sono, e você simplesmente vai em frente porque sabe que não tem mais ninguém, além de você, para resolver aquele choro, você se perde num mundo novo, numa falta de concentração absurda para escrever um único parágrafo.

Vai saber o que é estar sozinha com um bebê dias e dias a fio e precisar trabalhar e precisar arrumar a casa e precisar se valer de um falicismo que você se despediu para poder ser mulher para um homem e, desse modo, gerar um filho.

Não, eu não me arrependo um único dia, mas também sinto saudade do que era bom. Essa divisão que hoje me ocupa e me compõe não se resolverá nunca, eles disseram. Ok, computer. Não me meto mais em confusão. Sigo em frente. Tenho responsabilidades agora que não me dão espaço para me perder em rivalidades gozosas. Lembra de mamãe descendo o terço? O mistério gozoso. Que saudade. Dei pra rezar também. Agradeço todos os dias a oportunidade de viver, apesar de.

Lembro Dona Olga de olhos fechados cantando o louvor muito mal realizado do ponto de vista literário que dizia “Decolores! Decolores são todas as flores, são os passarinhos”. É bom me encontrar com a concretude desse verso, com a ausência de metáfora, com meu filho constatando simplesmente: “a flor, mamãe” diante de uma flor comum, vegetação rasteira na beira da praia que me dirigi para me isolar da doença desses nossos dias. 

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