"Quem repara nas minhas vestes em chamas
tão inapropriadas para o almoço de domingo?"
tão inapropriadas para o almoço de domingo?"
AMM
(1)
Perdi minha
caderneta azul de corações rosa-choque. Tão cafona quanto meu amor por você.
(2)
Ainda estou sem
entender porque fui buscar a releitura do poema "Figo" na página
cinquenta e quatro, se o poema está na cento e quarenta e um. Meus lapsos me
acordam feito a lua. Estou acesa.
A página cento e
quarenta e um grita, faz cara de mal e, por fim, me afronta:
"Quem repara
nas minhas vestes em chamas tão inapropriadas para o almoço de domingo?"
E como se
respondesse, o da cinquenta e quatro diz sobre preencher com álcool nossa
distância.
As respostas se
antecipam a todas as perguntas postas.
Justifico que não
reli esse livro, que tanto gostei, por falta de tempo, mas é mentira.
[Percebe que eu
melhorei nas vírgulas?]
Ando inapropriada
para esses arroubos de sentimento, porque toda sua falta em mim já vira
melancolia.
Eu sonho que quero
te ver humano e você me responde com tantas palavras bonitas, decoradas.
Não sei se te
alcanço.
Você, que insiste
em partir, não sabe o que me faz.
Não tenho um livro
de poemas para te dar, mas eu reescreveria este e remeteria pelo correio como
se eu estivesse escrito.
[Exercito caras de
pau no espelho. É divertido, mas tenho medo de mamãe abrir a porta e me pegar
fazendo essas loucuras privadas]
Adivinho que você
não conhece essa autora nova. Ela é menos melodramática e não escreve essas
coisas modorrentas de amor que eu escrevo. [Mentira]. Ela diz: "Há uma
noite para os jogos e uma para as juras". Computo que você me dá mais
noites do primeiro tipo, mas temo estar sendo injusta.
Enfastio, mas além
do álcool vou colocar, prometo que juro, mais palavras, mais romance, mais
lenha nessa distância, porque sei resistir com bravura e sei recusar com
carinho o seu não.
(3)
Eu ainda não
aprendi a te esquecer, só para constar.
Fico feliz em te
escrever essas palavras de amor.
Exerço aqui meus
excessos. Minhas bobagens verdadeiras.
Uma mentira bem
elaborada tem sofisticação e transmite o que uma verdade banal nem sonha
alcançar.
[Tenho sonhado com
você todos os dias, na minha praia inventada].
Suspeito que toda
poesia conta de um amor perdido.
No meu último
sonho deixo minha caderneta ridícula com você. Não há como resgatar.
Estou a escrever
uma novela mexicana e adivinha?
Eu sou Carmem
Dolores e você Carlos Daniel.
Bobagem.
Sinto não poder
compreender mais. Esse meu amor opaco ofusca minhas demandas de entendimento.
Sonho acordada com
a praia do nosso encontro e acho meu sonho injusto porque você também deve ter
uma praia de sonho.
[Vamos combinar
uma praia nossa?]
O doutor me disse
dessa vez que minhas costelas inflamaram com as tosses, mas "o pulmão já
está bacana".
Estou inflamada,
você precisava ver isso tudo por dentro: dói um pouco, mas é bonito.
"Quem repara
as minhas vestes em chamas tão inapropriadas (...)" para o convívio
social?
Concluo que você
até me ama um pouco, senão, não me deixaria desavisada sobre a despedida.
Mas essas cartas
de amor que escrevo me atrapalham a esquecer por completo
esse seu último
gesto tão amável.
(4)
Eu nunca quis ter
seu telefone tanto quanto agora
em que a lua me
acorda
Leio esses poemas
e transcrevo como se fossem meus
Não tenho um nome
para a autora
terei que assinar
meu nome próprio
e sei que isso é
picaretagem
mas aceite com
carinho
é para você que
escrevo:
Hoje ela chegou
atrasada
conversou um
pouco antes de dizer a coisa mais bonita que já disse
Falou que tem
um problema para terminar seus amores
Acha que sofre
mais com o fim das coisas do que essas separações mereceriam
Acha que isso
tem a ver com sua facilidade para engordar
Eu escuto tudo
com o coração sorrindo
e, um pouco
emocionada, seguro o choro olhando pro alto
Andam dizendo por
aí que eu sofro de incompreensão
não acredite
é desamor dessa
gente torpe
Desde que tinha seu telefone
já era assim,
lembra?
Você me atendia
com voz rouca e contava as coisas mais bonitas
eu me sentia amada
e dormia
era tudo tão fácil
(5)
Minha mãe ligou
agora dizendo que esqueci uma caderneta na casa dela
que eu preciso ter
cuidado para não esquecer "esses troços" que escrevo no trabalho
pode me prejudicar
e ela não quer me ver mal
fim da novela
mexicana
3 comentarios:
Carmem,
alimente a distância com sua doçura. tosse, cigarro e vinho ajudarão. embrulhe com poesia.
guarde consigo todas as ligações que não fizemos, por falta de coragem e por excesso dos anos.
gosto quando se veste com a cara de pau, você fica ainda mais bonita, ainda mais inflamada.
eu quis sair em desaviso para ter de última lembrança o som de sua gargalhada deliciosa. é a melhor lembrança.
regue suas plantas, esconda seu diário, preserve sua mãe de tudo que a faz sofrer.
a nossa praia nos espera, silenciosamente.
com amor, Carlos Daniel.
vou escrever minha gargalhada para você que merece a alegria e pouparei mamãe dessas coisas todas, coitada. Tens razão, como sempre...
saudades
Inflamada por dentro foi preciso!
Matt
Publicar un comentario