viernes, abril 26, 2013

vinte e quatro horas


Resquícios adolescentes. Meus diários, meus selos, minha coleção de lápis. Saberei contornar certas marcas sem me machucar? Como não parecer tola frente à sociedade (de consumo)? Be a tiger. Como se finge ser o que já se é? Como se faz pra fingir com sofisticação o que já se sente? Antecipo-me antes de morrer de saudade do que não tivemos. Everybody´s talkin´ no meu filme particular, Midnight Cowboy versão feminina. Caipirinha de limão charmosa em Nova Iorque.

(1)

Eu tenho saudade do que não tivemos. Do dia em que te levei pela estrada - a mesma que encontrava a casa onde cresci. As praias, eu ia dizendo o nome de cada uma delas. Você ria perguntando debochado se eu falava indígena também. Eu te explicava, sóbria, que achava difícil negligenciar os códigos de um lugar por onde já havia passado. Então cantarolava...

“tumtumjacutinguelê
 tiscatunga araruê
Tiscatunga tinga
Araruê cerumberumbá
Tiscatunga araruê
Tiscatunga tinga”

Você me perguntava o que era, impressionado. Eu dizia não saber para não te assustar, lembrando Susane VZ que alertava sobre os homens não suportarem por muito tempo mulheres inteligentes, mas eu sabia sim.

Be or not to be a Tiger?
Eis-me. A questão não é o tempo. A questão é outra, bobo.

(2)

Parávamos então na porta da escola onde estudei. Os tubos coloridos no canto do pátio. Cores primárias. Amores primários. “Era ali meu esconderijo na hora do recreio”, na hora de enfrentar a perversidade das gentes pequenas.
“Turma hora de entrar. Alguém viu a ...?”
Carrego comigo os recreios nos tubos coloridos que nunca fui dada às multidões.
Mas com você é diferente. Você tira as multidões de letra, não é mesmo?
Só minha música particular você não tira. Nem se eu te cantar minha letra preferida, nem assim. Nunca vou poder te dizer, preferido.

Tempo fechando.

Você me perguntava o que estava acontecendo? e eu cantarolando de novo “milhões de frases sem nenhuma cor”, baby, te avisei.
Você não se aborrecia comigo
E eu não tinha vergonha com você.

[mais estrada]

(3)

Uma praia de nome indígena. “Que significa?” Não sei (fazer cara de não sei, nunca ameaçar o macho alfa).
Tá vendo aquela casa? Virei mulher bem ali naquela escada, eu só tinha tantos anos e eu não senti nada de dor. As meninas falam que sentem dor, porque sentem culpa de sentir prazer, mas comigo não foi assim. Foi nada de dor, foi bom e só. Foi um amor? Não, que nada. Foi bom e só, já falei.(...)

[mais estrada]

(4)

De repente frio e o carro virava para o sul daquele estado automaticamente.
E, a partir de então, sempre muito frio: maneira de manter a temperatura ótima do lugar
de onde eu nunca devia ter saído.

[barulho de chuva na estrada]

1 comentario:

Árida dijo...

esse consegue ser o mais lindo de tantos outros.
saudades de Susane VZ.